Wednesday, June 24, 2009

Budismo e Psicoterapia -- superando os complexos

(tradução de uma palestra dada recentemente por Thich Nhat Hanh em Plum Village)



Bom dia querida Sangha, hoje é 26 de Março de 2009, e nós estamos no Upper Hamlet, durante nosso Retiro de Primavera.

as ameixeiras dos pomares de Plum Village em flor


Os ensinamentos do Buda, especialmente a prática da plena consciência, começaram a ser mais difundidos na nossa sociedade, principalmente no campo da psicologia, da psicoterapia, na educação, na ciência, e no trabalho social.

Muitos de nós querem reunir a prática da meditação e a psicoterapia, porque todos nós queremos curar a nós mesmos e curar o mundo; queremos tirar o melhor do insight ocidental sobre psicologia, psicoterapia e também do budismo, porque há no budismo insights muito profundos sobre nossa mente, como transformar nossa mente, como sofrer menos, como encerrar o sofrimento.

Mas nós temos algumas dificuldades em tentar reunir as duas coisas, por causa da nossa maneira habitual de pensar. Por exemplo, no budismo aprendemos que não há um eu, e todas as práticas budistas devem ser baseadas na prática do não-eu. Na psicoterapia, porém, o eu é muito importante: você precisa ter um eu saudável, você precisa fortalecer o eu antes de ser uma pessoa saudável -- então como fazer, o que fazer?

Há aqueles que propuseram que não se deveria fazer meditação antes de ter feito alguma psicoterapia. Primeiro alguma terapia e depois meditação, ou então seria muito perigoso, porque se o seu eu não fosse forte o suficiente e você se dedicasse à meditação, sua situação poderia piorar. Portanto, a conclusão é que você primeiro faz algum tipo de terapia e só depois faz meditação budista.

E como na psicoterapia o eu é considerado algo de que temos de cuidar, quando você tem baixa auto-estima você possui diversos tipos de problemas, e por isso você tem que se livrar da sua baixa auto-estima. A impressão é a de que você tem de se consolidar, você tem de fortalecer o eu para superar o sofrimento e a doença. Muitos psicoterapeutas estiveram pensando como ajudar seus pacientes a livrar-se da baixa auto-estima. A baixa auto-estima parece ser a fundação de muitas desordens mentais.

Mas quando olhamos do ponto de vista budista, vemos que não somente a baixa auto-estima está na fundação do sofrimento, mas que a alta auto-estima também está. Há muita gente que pensa grande sobre si mesma. Eles tem o complexo de superioridade, e muita arrogância, e por conta disso criaram muito sofrimento para si e para as outras pessoas. A expressão “alta auto-estima” não parece ter uma conotação negativa assim como a baixa auto-estima. Mas se olharmos em profundidade veremos que [o complexo de superioridade] é tão perigoso quanto o complexo de inferioridade.

Então, sob a luz do ensinamento budista não apenas a baixa auto-estima não é boa, mas a alta auto-estima não é boa também.

E não somente não são boas a baixa auto-estima ou a alta auto-estima, mas também o complexo de igualdade não é bom. Você pode pensar que não deve sentir-se acima das outras pessoas nem abaixo delas, então pensa que sentir-se igual às outras pessoas é o correto, é o bom. Mas no budismo temos um outro complexo, o complexo de igualdade. Sou tão bom quanto ele, sou tão bom quanto ela – isso também é um complexo. Porque o complexo vem do fato de que você compara, um eu com outro eu. E quando você se compara, vê-se superior, inferior ou então igual. Mas no ensinamento do Buda não há um eu, e se você não tem um eu, não tem o que comparar. E se não comparar, não há complexo, nenhum.

Então, como reconciliar o ensinamento sobre não-eu com o ensinamento sobre a consolidação do eu? Remover a baixa auto-estima é uma grande questão na psicoterapia. Portanto, há alguns dentre nós que dizem que primeiro devemos fazer alguma terapia para só depois tentarmos a meditação. Primeiro fortalecer-nos, para depois abdicarmos. Primeiro eu, depois não-eu. Assim, a prioridade é a psicoterapia, e depois a meditação. Existe muita confusão nesse pensamento, porque você nunca se aprofunda o suficiente em nenhuma das duas disciplinas, em termos de prática. Fica-se mais no nível da especulação e dos conceitos. Mesmo nos círculos budistas há quem fique no nível dos conceitos e da especulação.

Num instituto budista nós aprendemos muito sobre budismo, teoricamente, e não temos prática suficiente, que nos ajude a ter insight, que é o que vai nos transformar e remover o sofrimento.

Quando você vem a Plum Village, você percebe que aqui não é um instituto de estudos budistas no sentido comum. Sim, aqui aprende-se budismo; todos os dias nós aprendemos. Mas nós nos dedicamos a por em prática tudo aquilo que aprendemos. Não nos contentamos em falar sobre a filosofia profunda, o profundo ensinamento do Buda. Não ficamos discutindo sobre nirvana, a dimensão absoluta, mahaprajnaparamita ou as Quatro Nobres Verdades simplesmente para satisfazer nossa curiosidade. Budismo -- não como conhecimento, mas como prática.

Thây varrendo o chão do Instituto de Budismo Aplicado,
ligado a Plum Village, com sede na Alemanha


Então quando você fala sobre as Quatro Nobres Verdades, o Caminho Óctuplo, impermanência, não-eu – temos de encontrar maneiras de experienciar estas coisas, diretamente, no nosso cotidiano. E Plum Village é uma tradição que enfatiza bastante este aspecto. Estudos budistas deveriam ser bem palpáveis, e nós devemos ser capazes de aplica-los em nosso dia-a-dia.

Por exemplo, quando você está praticando Inspirando. No início, você acredita que é você quem quer inspirar. Sou eu quem está inspirando, não uma outra pessoa. “Inspirando, eu sei que estou inspirando” – assim é a frase quando traduzida para o Inglês (Breathing in, I know I am breathing in). Mas em outros idiomas, assim como em Vietnamita, não há necessidade de usar o eu, ou o você. [Thây fala em Vietnamita] Inspirando, sei que estou inspirando; Inspirando, sabendo que estou inspirando. É possível dizer assim.

No início, podemos achar que há um “eu” inspirando e expirando. Mas se praticarmos realmente, iremos descobrir que ninguém está inspirando ou expirando. Há somente a inspiração acontecendo, e a expiração acontecendo. Claro que há a intenção de inspirar, a intenção de expirar, o prazer de inspirar, o prazer de expirar. O fato é que a respiração está lá, existe. Mas você não precisa de um “ser respirador” para respirar. Isso pode ser difícil de aceitar, no começo, porque você ainda está no nível da conceitualização. Porém, com um pouco de prática você irá enxergar e tocar a verdade. Não há um “respirador”, há somente a respiração acontecendo. Não há um pensador, há apenas os pensamentos se sucedendo.

Nós não estamos familiarizados com isso, porque achamos que precisa existir um pensador para tornar possível o pensar. Penso, logo existo, logo sou. Se o eu não existir, o pensar não poderá existir, então o fato de o pensamento existir é uma prova de que há um “eu”, um pensador.

Há uma diferença de pensamento, de percepção das coisas, dentro dessa tradição. E todos nós fomos influenciados pelo modo cartesiano de pensar -- precisamos reconsiderar isso.

Você está convidado a inspirar e a olhar em profundidade e ver que, enquanto está inspirando, todos os seus ancestrais estão inspirando junto com você. [pausa para inspirar] E este é o início da verdadeira experiência do não-eu.

Em Plum Village temos o exercício que diz Inspirando, convido o meu pai a desfrutar da inspiração comigo. Eu sei que meu pai existe em cada célula do meu corpo, de alguma forma, e eu sou uma continuação do meu pai. Ele transmitiu seus genes a mim, e está presente de fato em todas as células do meu corpo. É por isso que, inspirando, posso reconhecer meu pai no meu próprio corpo, em cada célula do meu corpo, e isso é algo possível e também fácil de fazer. Então Inspirando, convido o meu pai a desfrutar da inspiração comigo torna-se possível e não requer muita imaginação – porque isso é uma realidade, você é a continuação do seu pai. Você não pode tirar o seu pai de você. Você não pode tirar a sua mãe de você. O fato é que quando você está inspirando, ela está inspirando em você... Mãe, inspirando eu me sinto tão leve... Você se sente tão leve quanto eu? Este é um dos exercícios de respiração oferecidos aqui em Plum Village. Inspirando, eu me sinto tão leve... Paizinho, você se sente tão leve quanto eu?

[sino]

Pai e filho nos jardins do Upper Hamlet, Plum Village, durante o Retiro de Verão


Enquanto praticamos respirar assim, nós não estamos brigando contra a idéia de um eu, nós estamos saindo da noção de um eu. Porque nós sabemos que o eu é feito de elementos não-eu. Sou feito de pai, mãe, ancestrais, ar, água, nuvem, e muito mais... Então, se reconheço todos estes elementos não-eu constituindo o eu, começo a ver a noção do eu fragmentar-se em muitas partes.

Não há um eu, há apenas uma noção de eu.

É possível para todos nós nos sentarmos assim relaxadamente, e respirarmos com nossos ancestrais, por nossa mãe, por nosso pai, nossa avó, nosso avô – todos os nossos ancestrais. Que maravilha saber que você está ali representando os seus ancestrais, que você é a continuação deles! Você não é mais um eu, você é ao mesmo tempo todos os seus ancestrais. Assim, uma única inspiração pode liberar você – uma respiração com esse insight pode liberar você.

Que gentil da sua parte respirar por seu pai, por sua mãe, e relaxar seu corpo. Quando você relaxa seu corpo, o corpo do seu pai e da sua mãe em você também está relaxado. É como um milagre. E você pode ver que transporta todas as gerações de ancestrais em você – aonde quer que você vá, eles vão com você. Quando você dá um passo, em plena consciência, tocando as maravilhas da vida, todos os ancestrais em você estão dando o mesmo passo, ao mesmo tempo. E ao dar um passo assim, com esse tipo de sabedoria, você está livre da noção de eu. Isso é muito curador, muito transformador.

Nós sofremos, sentimos raiva, desespero – porque ainda estamos presos à noção de um eu. Sentimo-nos tão solitários, tão separados. Não tocamos a nossa comunhão.

O ensinamento sobre não-eu não nos diz que não existimos. Você existe sim, de verdade – como uma manifestação, uma manifestação maravilhosa. Corpo, sentimentos, percepções, formações mentais, consciência – rios de continuação. E é um rio maravilhoso. Há uma palavra em Sânscrito, santana (assim como o nome daquela cidade na Califórnia), que significa continuidade. Não há um eu, mas há uma continuidade dos cinco rios, dos cinco skandhas. Sempre mudando – mas há uma continuação. Nós continuamos nosso pai, nós continuamos nossa mãe, nós continuamos nossos ancestrais.

E se olharmos em profundidade o nosso corpo, nossos sentimentos, vemos que somos a continuação também de nossos ancestrais animais, vegetais e minerais. Temos nossos ancestrais humanos, porém eles são os mais jovens dentre todos. Antes de nos tornarmos humanos, fomos animais, plantas e minerais. Então, todos os nossos ancestrais, incluindo minerais, vegetais e animais, ainda estão em nós. Se você for livre, eles serão livres. Se você estiver relaxado, eles estarão relaxados. E para isso você não precisa fazer muita coisa. Precisa apenas inspirar com esse tipo de insight, para liberar-se, e para ajuda-los todos a se liberar. Precisa dar um único passo, com esse insight, para liberar-se e ajuda-los a desfrutar da mesma liberdade também.

Você tem uma semana para ficar em Plum Village, ou você tem três semanas para ficar em Plum Village – cada momento da sua estadia pode ser uma oportunidade para fazer isso, para respirar com insight, para caminhar com insight, para comer com insight. Quando você se alimenta, está alimentando seus ancestrais.

Thay Pháp Doh durante um almoço picnic


Eu me lembro quando há 20 anos atrás nós tivemos um almoço picnic em Montreal. Estávamos em um retiro, e naquele dia fomos a um bosque fazer picnic. Eu estive caminhando pelo bosque, observando. Houve um praticante que se sentou ao pé de uma árvore, para almoçar. Eu disse: Irmão, o que você está fazendo? Ele olhou para mim e disse: Estou dando de comer ao Thây. E eu disse: Muito bem. Porque ele sabia que Thây estava nele, e que comendo daquela maneira ele estaria alimentando o Thây nele. O fato é que, cada vez que comemos, alimentamos nossos ancestrais. Nossos ancestrais continuam a viver porque nós os alimentamos todos os dias. Não só com alimentos comestíveis, mas para o bem estar deles, temos de dar a eles o alimento espiritual.

[sino]

Então, toda vez que você respira, convide todos os seus ancestrais para respirar com você, e você terá esse insight que tem o poder de libertar, de transformar. Toda vez que você caminhar, convide seus ancestrais para virem com você, e desfrute de cada passo -- de qualquer jeito, eles estarão com você, quer você os convide ou não. Eles estão em você. Mas se você estiver consciente disso, se você mantiver esse insight, você enxergará a verdade.

Nós sabemos que temos ancestrais espirituais, e eles também estão em cada célula do nosso corpo. Não estão somente no nosso espírito, estão no nosso corpo. No budismo, espírito e corpo não são duas coisas separadas; elas contém uma à outra. O cérebro e nossa consciência não são duas coisas separadas. Esta contem a outra, e vice-versa.

Jesus, Buda, Maomé, Abraão -- eles estão no nosso sangue, nas nossas células. Precisamos transcender a dualidade entre corpo e mente. A mente abriga o corpo, a mente é o corpo, o corpo abriga a mente, corpo é mente. Sujeito e objeto, também, abrigam um ao outro. Não existe um sem o outro.

Sala de refeições do New Hamlet, Plum Village -- aumente esta imagem
e veja o bonito desenho sobre a lareira, do Buda e Cristo caminhando juntos


Quando toco minha cabeça com minha mão esquerda, minha mãe está tocando-me ao mesmo tempo, meu pai está tocando-me também. E todos os meus ancestrais estão tocando a minha cabeça, nesse gesto. Esse insight é um milagre, e torna-se possível com a prática. Esse é o insight sobre o interser, sobre o qual vocês já ouviram tanto, tantas vezes. Você inter-é com seu pai, sua mãe, seus filhos, seus ancestrais. Você inter-é com o Buda, com o seu mestre. Você inter-é com Jesus Cristo, com os seus ancestrais espirituais. Eles estão em você, mesmo que você esteja brigado com eles – eles continuam no seu sangue, nas suas células.

Há aqueles entre nós que rezam, mas que quando não obtém resposta começam a odiar, a brigar com o Buda, com Jesus Cristo. Porque nós temos noções e idéias de quem eles sejam – especialmente a noção de que eles estão fora de nós.

Então você olha para a sua mão, e consegue ver que o Buda está nela, porque recebeu os Cinco Treinamentos da Plena Consciência – e eles são o Buda. Os Cinco Treinamentos da Plena Consciência são o insight e a prática a respeito do amor: você está determinado a não matar, a proteger a vida, você está determinado a ofertar amor e proteção. No momento em que você se ajoelha e recebe os Cinco Treinamentos da Plena Consciência, você está recebendo o Buda em você, de maneira concreta. E a partir de então, sua mão torna-se a mão do Buda. Pois você não mata mais, a sua mão não mata mais. Você não faz mais os outros sofrerem; a sua mão não rouba mais. O Buda está na sua mão. A sua mão é a mão de Buda. Então quando você traz sua mão à sua cabeça, o Buda está tocando você – isso é muito bom...

Esse tipo de coisa acontece conosco, praticantes. É maravilhoso. Quando quer você queira. Santana é a palavra em Sânscrito; às vezes usamos sanpatti, é a mesma coisa: a corrente da continuidade. Olhamos para nosso corpo, nossos cinco skandhas, como santana, fluindo como um rio. O rio está lá, você não pode dizer que ele não existe, que você não existe, pois existe de fato – o que significa que toda a água existe... Um rio é feito de muitas gotas de água, correntes de água, e você é feito da corrente dos seus ancestrais, entre outras coisas, da qual você é a continuação. E você pode ser uma continuação mais bela ou menos bela, dependendo da sua prática.

Quando você olha para uma outra pessoa, pode enxergar que ela é também uma continuidade, um outro sanpatti. Você mesmo é esta continuação, esta continuidade, e a outra pessoa é uma outra continuidade. Ao olharmos em profundidade, porém, não há nenhuma separação. Você está nela, e ela está em você. Suponha que você olhe o seu pai, aquele que está fora de você. Você pode pensar que ele é uma pessoa separada de você -- ele tem a própria carteira de identidade, e o seu RG, o seu passaporte é diferente do dele. Mas na verdade, essa é apenas a aparência. Olhando em profundidade, você enxerga que veio dele, e que ele vem de você também, de uma certa maneira, e que há uma conexão profunda entre você e seu pai. Você enxerga que é a continuação dele, que o carrega em você. O mesmo pode-se dizer de uma outra pessoa, quer seja ela o Buda, um amigo, um irmão, uma irmã. No começo você acha que ele está fora de você, mas de fato, sob a luz do interser, você está nele, e ele está em você.

Da última vez falamos da ordem implícita. Precisamos aprender a ver as coisas nessa ordem, a ordem implícita, ao invés de vermos as coisas fora de nós, como na ordem explícita. Na ordem explícita, tudo parece estar fora de tudo o mais, mas na ordem implícita, você enxerga que tudo está contido em tudo o mais. Na última semana, vocês foram convidados a fazer a meditação caminhando de uma tal maneira a enxergar que cada coisa está presente em todas as outras coisas. Quando você olha uma folha, enxerga nela todas as coisas do cosmo, o brilho do sol, as nuvens, tudo. Quando você olha um irmão, enxerga que você está nele, e ele está em você. Este é o seu treinamento, e com ele certamente você terá uma quebra de paradigma (breakthrough), e não somente estudando, lendo livros, ouvindo palestras do Dharma, ou em Discussões do Dharma.

Você precisa viver cada momento da sua vida de maneira a cultivar o insight em cada momento. Qual insight? O insight do interser, do não-eu. Psicoterapeutas precisariam viver assim, e se pudessem fazer isso, veriam que dizer que primeiro devemos começar com terapia para depois fazer meditação, primeiro começamos com o eu para depois enxergar o não-eu – só pensamos dessa forma porque ainda estamos presos a uma visão dualista.

Família unida durante a meditação caminhando, Retiro de Primavera de 2009


Podemos visualizar-nos como um link, uma ligação na continuidade, no continuum. Há uma linha que vem do não-começo, continuando dentro do sem-fim – precisamos nos treinar a não mais nos vermos como um link simplesmente, mas como toda a linha. No início, você pensa que nasceu num ponto, e que irá morrer noutro ponto desta linha. Você pensa que o seu tempo de vida é apenas um segmento desta linha – isso porque você se vê somente como um link. Mas você é mais do que isso, você é a linha inteira. Se você se vê apenas como um segmento, pode ter a impressão de que o seu pai está puxando você com um pouco de força demais de um lado, e que o seu filho está puxando do outro com força também [como um cabo de guerra], e você se sente desconfortável. A sua tendência será pedir para que te deixem em paz, não puxem, não empurrem... Mas você é uma continuação, e no momento que vê isso, transcende o nascimento e a morte. Não há começo, não há fim. E você sabe como transmitir-se, completamente, de maneira bela, para o próximo link. Cada palavra que disser, cada respiração, cada passo que der, cada coisa que fizer será um bela transmissão para o próximo link – e você desfruta de cada momento dessa transmissão.

[sino]

Budismo tem a ver com insight. Se falamos de liberação, da salvação, devemos saber que no Budismo é o insight que nos liberta, a salvação vem pelo insight.

O insight é uma semente dentro de você, chamada de natureza búdica, a semente da Grande Compreensão. Se você viver cada momento da sua vida de maneira profunda, em plena consciência, com concentração, você cultiva o insight a cada momento, e será ele a liberar você, ajudar você, curar você. A psicoterapia também lida com o insight, e acho que o ensinamento do Buda pode contribuir muito para a prática da psicoterapia.

É possível cultivarmos alegria em nosso cotidiano – se soubermos como aplicar a plena consciência, a concentração e o insight. Cada respiração, cada passo, enquanto pensamos, enquanto sentamos, enquanto caminhamos – a alegria é possível. Cada momento da nossa vida pode tornar-se uma celebração da vida. Com a energia da plena consciência, da concentração e do insight, é possível vivermos dessa maneira. E assim iremos transmitir o melhor que podemos produzir, durante o tempo em que este corpo ainda estiver se manifestando, e o próximo link irá se beneficiar, e toda a corrente de links em seguida a ele irão se beneficiar.


A meditação caminhando [que acontece seguindo-se às palestras do Dharma] pode trazer-nos a oportunidade de desfrutarmos de cada passo. Você caminha e, a cada momento, você chega no aqui e no agora, e toca as maravilhas da vida, a cada passo que dá. Inspirando você dá dois passos, ou três, e expirando você dá três passos, ou cinco – dois, três, ou três, cinco, ou quatro, seis, pois a expiração é sempre mais longa que a inspiração. [Thây demonstra a meditação caminhando e a contagem da respiração para a platéia] Se você quiser usar palavras, pode ser Inspirando, inspirando; Expirando, expirando, expirando...

Thây em perene primavera


Agora vamos sair e encontrar a Primavera. Talvez vocês queiram levar alguma coisa para ficarem mais confortáveis ao ar livre, um agasalho ou uma almofada. Aqui em Plum Village, no meio da meditação caminhando fazemos uma pausa para meditação sentada de oito a dez minutos, antes de retornarmos. É agradável sentarmos todos juntos ao ar livre, numa breve meditação sentada com o Thây – fazemos isso sempre que fazemos meditação caminhando. Por favor, desfrutem de si mesmos, de sua prática, de sua caminhada.

[Thây faz uma reverência na direção da platéia]

[sino]


Thich Nhat Hanh

Copyright ©Plum Village sites 2009





Notas do blog:

Nenhuma das fotos acima é de minha autoria -- a maior parte delas foi colhida nos álbuns dos sites oficiais de Plum Village (cujo link aparece abaixo), e de álbuns de praticantes que lá estiveram e disponibilizaram suas fotos na internet, aos quais agradeço imensamente por possibilitarem ilustrar esta palestra.


- para acessar o site oficial de Plum Village, em Inglês:
http://www.plumvillage.org/

Para ver mais fotos, verdadeiramente lindas, do Retiro da Primavera de 2009 quando foi dada esta palestra, com as ameixeiras, as cerejeiras e toda a sangha em flor, por favor acesse o álbum eletrônico clicando aqui.

Se desejar saber mais sobre a ordem Implícita e a ordem Explícita, teoria de David Bohm frequentemente mencionada por Thây, por favor acesse:
http://www.pesquisapsi.com/content/view/2184/146/


Tradução de Chân Mật Đăng – Verdadeira Luz Esotérica/ paraserzen

Tuesday, June 16, 2009

Desperta!




DESPERTA!

Jovens Budistas (e não-Budistas) para uma Sociedade Saudável e Compassiva

YBHCS (Young Buddhists for a Healthy and Compassionate Society em Inglês, Jovens Budistas para uma Sociedade Saudável e Compassiva em Português) - Wake up!, Desperta! é uma comunidade de jovens praticantes do Dharma que querem trazer sua prática a uma sociedade sobrecarregada com intolerância, discriminação, desejo, raiva e desespero.

Sua prática é a dos Cinco Treinamentos da Plena Consciência; uma prática concreta do amor verdadeiro e da compaixão, que mostra claramente o caminho para uma vida de harmonia uns com os outros e com o planeta. Se você é um jovem praticante, está sendo chamado a participar do Desperta em seu país. Podemos sentir raiva e frustração diante da degradação ambiental causada por nossa sociedade, e desesperança porque não conseguimos ser individualmente fortes o suficiente para mudarmos nosso modo de vida. O Desperta nos oferece uma maneira de juntarmos nossa energia e agirmos em sincronia. Uma tal prática em conjunto irá certamente resultar em transformação e cura individual e coletiva. Vamos nos reunir e formar grupos locais do Desperta, e manter contato com jovens praticantes em Plum Village, tanto monásticos como leigos, para receber apoio e mais informações.

O Budismo precisa ser reconhecido como uma fonte de sabedoria, uma longa tradição de prática da compreensão e do amor, e não só de devoção. O espírito do Dharma está muito próximo do espírito da ciência; ambos se pautam pela abertura e não-discriminação. Você pode juntar-se ao Desperta sendo cristão, judeu, muçulmano, agnóstico ou ateu. A prática de maitri, da irmandade, é o fundamento do Dharma.

Quando membros do Desperta se encontram, eles gostam de estar reunidos e conectados ouvindo uma palestra do Dharma, participando da discussão do Dharma, recitando os Cinco Treinamentos da Plena Consciência e praticando a meditação sentada e caminhando. Estas práticas nos ajudam a aliviar tensões em nosso corpo e sentimentos, a viver com maior profundidade e desfrutar de cada momento de nosso dia-a-dia, e a usar a escuta compassiva e a fala amorosa para restaurar a comunicação e nos reconciliarmos uns com os outros, e ajudar outras pessoas a praticar o mesmo.

Discussões do Dharma nos ajudam a compartilhar nossa prática uns com os outros, a aprofundar nosso entendimento dos Cinco Treinamentos da Plena Consciência e encontrar maneiras apropriadas de aplicá-los efetivamente em nossa vida cotidiana, e assim encaminhar nossa sociedade rumo à compaixão e harmonia. Juntos podemos descobrir várias formas concretas de ajudar, tais como:

- oferecendo sessões de relaxamento profundo para nossos colegas antes das provas ;
- organizando sessões de resolução de conflitos e de reconciliação entre nossos amigos e em nossas famílias ;
- direcionando nossas escolas e faculdades para o consumo responsável (por exemplo, contactando fornecedores de produtos orgânicos ou organizando bazares de comércio equitativo);
- promovendo o Dia Sem Carro;
- facilitando oficinas de ecologia profunda para ajudar a nos conscientizarmos da situação do planeta;
- cultivando hortas orgânicas em nossas escolas e centros comunitários;
- utilizando os meios e insights do Budismo para auxiliar nossos amigos com problemas de vícios e outras formas de dependência;
- trabalhando em conjunto com sociedades assistenciais locais.

O Desperta pode também organizar acampamentos e retiros para que muitos outros jovens (e nem tão jovens assim) possam participar e compartilhar a prática do modo de viver consciente e feliz, enquanto nos nutrimos através do contato com a natureza.

Os Cinco Treinamentos da Plena Consciência encorajam todos a viver de tal maneira que o planeta Terra sobreviverá ainda por um longo tempo. Os Cinco Treinamentos são o fundamento dos membros do Desperta representam seu ideal de servir. Plena consciência, concentração e insight são as energias cultivadas através da prática e que resultam em tolerância, não-discriminação, compreensão e compaixão.

Desta maneira, nas últimas três décadas Plum Village tem auxiliado a formar muitos jovens na Europa, América do Norte e Ásia. Agora torna-se possível estabelecer núcleos do Desperta em cada país e cidade. Por favor contacte-nos em Plum Village sobre seus planos e objetivos. Faremos o melhor para apoiá-lo.




Para ver fotos e vídeos, ouvir canções, ler depoimentos e ter acesso à programação internacional do movimento Wake Up! por favor acesse:

http://www.wkup.org/


Para ver mais da Sangha jovem e mirim de Plum Village, por favor acesse a postagem Todos os Tamanhos, Todas as Idades.





no vídeo acima você pode assistir a um sketch de cenas da vida do Buda, criado pelos jovens noviços de Plum Village e encenado durante o Vesak 2009: Phap Man como Siddhartha, Phap The (autor do desenho no topo desta postagem) como o Rei Sudodana e a Irmã Sinh Nghiem como a Rainha. O vídeo, intitulado New Path, Wild Clouds (Novo Caminho, Nuvens Selvagens), é um trocadilho com o título em Inglês do livro de Thich Nhat Hanh sobre a vida do Buda, Old Path, White Clouds, disponível no Brasil em Português como Velho Caminho, Nuvens Brancas, pela Editora Bodigaya.

- Cena 1 - Infância; Cena 2 - Deixando o Lar; Cena 3 - Iluminação; cena 4 - Retorno ao Lar

Wednesday, June 3, 2009

o coração do lótus

sem lama sem lótus, na caligrafia do Thây, que nos diz:

Nossas aflições nada mais são do que iluminação. Podemos deslizar em paz nas ondas de nascimento e de morte. Podemos viajar no barco da compaixão e atravessar o oceano da ilusão com um sorriso destemido. À luz da interexistência, vemos a flor no lixo e o lixo na flor. É nas profundezas do sofrimento e das aflições que podemos contemplar a iluminação e o bem-estar. É exatamente na água lamacenta que a flor de lótus brota e floresce. [...] O jardineiro não corre atrás das flores, nem foge do lixo. Aceita e cuida de ambos. Não tem apego a um e rejeição a outro, pois vê que a natureza de ambos é a interexistência. Ele fez as pazes com a flor e com o lixo. O bodhisattva lida com as aflições e a iluminação da mesma maneira que o jardineiro habilidoso lida com as flores e o lixo – sem discriminação. Ele sabe como fazer o trabalho de transformação e, por isso, não tem mais medo. Essa é a atitude de um Buda.

Thich Nhat Hanh, em Transformações na Consciência de acordo com a Psicologia Budista (leia mais aqui...)


esta foto do meu amigo Richard Friday chama-se "o botão contém a flor"... Esta postagem mostra as flores de lótus que são cultivadas no lagos de todos os Hamlets de Plum Village, assim como nos lagos de nossas vidas nós cultivamos a flor da iluminação...


o botão que começa a abrir... mas pode-se ver -- repare nisso em outras fotos também -- que ao redor do botão vigoroso há os lótus que já feneceram, perderam suas pétalas, e agora resta apenas sua haste e o coração despido... tudo a um só tempo -- agora...


que segredos guardas, que segredos revelas, oh lótus?


é maravilhoso observar, respirando calmamente, o desabrochar da flor de lótus, como cada pétala responde ao sol e se abre maciamente


no auge da exuberância, perceba que este lindíssimo lótus está rodeado de hastes e cálices que outrora já foram flores -- nas fotos seguintes, voaremos com leveza para dentro da flor





cá estamos, enfim, no coração do lótus, que é também uma iguaria culinária


você tinha idéia do tamanho de uma flor de lótus? Aqui o sorriso da Amelia nos dá uma idéia de proporção


passado, presente e futuro -- nesta foto, vemos os botões fechados, começando a desabrochar, as pétalas cedendo ao sol e à gravidade, a flor do lótus no seu auge, uma pétala caída sobre uma folha, e as hastes despetaladas... Longa vida à impermanência!


detalhe do cálice da flor do lótus, depois que todas as pétalas caíram


o último lótus da estação não é o último lótus



você poderia imaginar casa mais bela e perfumada do que esta para morar? (linda foto da querida amiga e Irmã no Dharma Iara Sylvain)


repouso e contemplação das monjas diante do lago de lótus -- e ao fundo vemos as tendas dos hóspedes do Retiro de Verão, no Upper Hamlet --, as queridas Irmãs lembram-nos que o mundo é nosso salão de meditação, e as rochas bem servem de almofadas



quando chove, as folhas do lótus recolhem as gotas e armazenam-nas em círculos perfeitos -- repare no par de fotos acima




ao fim da meditação caminhando, a Sangha abraça o lago de lótus repleto de flores, no Lower Hamlet


o lago de lótus do New Hamlet tem o formato de um coração, o coração de lótus


coração e flores que uma jovem praticante ajuda a cultivar


sob a guarda de uma árvore generosa em Plum Village, Thich Pháp Hai (que esteve no Brasil em 2008, leia aqui) e uma Irmã se saudam com o gesto do lótus -- um lótus que podemos fazer florescer muitas vezes em nosso dia, e que talvez você queira fazer florescer agora, enquanto ouve o texto abaixo:



Que o som deste sino possa penetrar profundamente no cosmos
Mesmo nos lugares mais sombrios, que os seres vivos possam ouvi-lo claramente
Para que todo seu sofrimento cesse, a compreensão toque seu coração
E transcendam o caminho da dor e da morte.

A porta do dharma universal já está aberta
Pode-se ouvir claramente o som da maré montante
Faz-se o milagre
Uma linda criança surge no coração de uma flor de lótus
Uma única gota d´água desta compaixão é suficiente para devolver o frescor da nascente às nossas montanhas e rios.

Ao ouvir o sino, sinto as aflições se dissipando dentro de mim
Minha mente está calma, meu corpo, relaxado
Um sorriso brota em meus lábios
Ao acompanhar o som do sino, minha respiração me traz de volta à segurança da ilha da plena consciência
No jardim do meu coração, as flores da paz desabrocham, lindas.


tradução da querida Irmã Denise Kato para texto de uma meditação guiada com o Thây, acompanhado da voz do Irmão Phap Niem e com música de Gary Malkin, esta bela gravação em Inglês pode ser ouvida no vídeo abaixo: