Tuesday, May 19, 2009

A árvore antiga

conto escrito por Thich Nhat Hanh

No coração da floresta havia uma grande e antiga árvore. Ninguém sabia quantos milhares de anos ela teria vivido. Seu tronco tinha a largura do abraço de dezoito pessoas. Suas grandes raízes aprofundavam-se na terra e se espalhavam por um raio de cinquenta metros. Sua casca era dura como rocha; pressionando-se um dedo contra ela, o dedo iria doer. Em seus galhos havia dezenas de milhares de ninhos, abrigando centenas de milhares de pássaros, grandes e pequenos. Sob a sombra da árvore, a terra era de um frescor incomum.

Pela manhã, quando o sol surgia, os primeiros raios de luz eram como a batuta de um maestro, iniciando uma grandiosa sinfonia; as vozes dos pássaros tão majestosas quanto qualquer grande orquestra filarmônica. Todas as criaturas da floresta erguiam-se vagarosamente, sobre duas ou quatro patas, maravilhadas.

Na grande árvore havia uma abertura tão grande quanto uma laranja de Bien Hoa. Ficava a doze metros acima do chão. Naquela abertura havia um pequeno ovo marrom. Ninguém saberia dizer se um pássaro teria trazido aquele ovo ali ou se ele tinha sido formado pelo ar sagrado da floresta e pela energia vital da grande árvore.

Trinta anos se passaram e o ovo permaneceu intacto. Durante algumas noites, os pássaros eram despertados do seu sono por uma luz brilhante vinda da abertura na árvore, iluminando todo um canto da floresta. Finalmente, uma noite, sob a lua cheia muito clara e um céu fortemente iluminado por estrelas, o ovo partiu-se e um estranho passarinho nasceu.

O passarinho deu um pequeno piado na noite fria, e continuou a piar através da noite até o sol aparecer – um pio que não era trágico nem audacioso, um canto de estranheza e de surpresa. Ele piou até que os primeiros raios de sol iniciaram a sinfonia matinal e as vozes de milhares de pássaros soaram. A partir daquele momento, o passarinho não piou mais.

O pássaro cresceu rápido. As nozes e grãos que as mamães pássaro traziam à abertura na árvore eram sempre abundantes. Em pouco tempo a abertura ficou pequena demais, e o pássaro teve de encontrar outra morada, muito maior. Ele tinha ensinado a si próprio a voar, e coletava gravetos e palha para construir um novo ninho. Embora o ovo tivesse sido marrom, o pássaro era branco como a neve. Sua envergadura era vasta, e ele sempre voava devagar e muito calmamente, muitas vezes até lugares distantes onde cachoeiras vertiam suas águas dia e noite, como se fossem a respiração magnífica da terra e do céu. Algumas vezes, ele não retornava por muitos dias. E quando retornava, ficava em seu ninho durante todo o dia e a noite, pensativo e quieto. Seus dois olhos brilhantes jamais perdiam a expressão de surpresa.

Na antiga floresta de Dai Lao, na encosta de uma colina, ficava uma cabana de eremita. Ali, um monge tinha vivido por quase cinqüenta anos. O pássaro voava freqüentemente sobre a floresta de Dai Lao, e de tempos em tempos via o monge descendo vagarosamente a trilha até a fonte, trazendo uma jarra de água na mão. Um dia, o pássaro viu dois monges andando juntos na trilha que levava da fonte à cabana e, naquela noite, escondido pelos galhos de uma árvore, observou enquanto a luz do fogo tremulava dentro da cabana e os dois monges dialogaram a noite inteira.

O pássaro voava alto sobre a antiga floresta, algumas vezes dias seguidos sem pousar. Lá embaixo ficava a grande árvore, e as criaturas da montanha e da floresta, cobertas pela relva, pelos arbustos e árvores. Desde o dia em que o pássaro ouviu o diálogo entre os monges, sua perplexidade cresceu. De onde vim e para onde vou? Quantos milhares de anos viverá a grande árvore?

O pássaro ouvira os monges falarem sobre o tempo. O que era o tempo? Por que o tempo nos trouxe aqui, e por que irá nos levar embora? A noz que um pássaro come tem sua própria deliciosa natureza. Como posso descobrir a natureza do tempo? O pássaro queria recolher um pequeno pedaço de tempo e ficar quieto em seu ninho por muitos dias para examinar sua natureza. Mesmo que levasse meses ou anos para examina-lo, o pássaro estava disposto a isso.

Planando alto por sobre a antiga floresta, o pássaro se sentia como um balão vagando em meio ao nada. Ele sentia que sua natureza era tão vazia quanto a do balão, e esse vazio era o solo de sua existência e a causa do seu sofrimento também. Se eu pudesse encontrar o tempo, pensava o pássaro, certamente eu encontraria a mim mesmo.

Depois de muitos dias e noites de vôo e contemplação, o pássaro veio silenciosamente descansar em seu ninho. Ele tinha trazido consigo um pedacinho de terra da floresta de Dai Lao. Absorto em pensamentos, apanhou o pedaço de terra para examina-lo. O monge da floresta de Dai Lao tinha dito a seu amigo:

-- O tempo está imóvel na eternidade, onde o amor e seu amado são um. Cada lâmina de grama, cada pedaço de terra, cada folha, cada um é um com esse amor.


Mas o pássaro não foi capaz de encontrar o tempo. O torrão de terra da floresta de Dai Lao nada revelou. Talvez o monge tivesse mentido. O tempo encontra-se no amor, mas onde está o amor? O pássaro lembrou-se das cachoeiras, vertendo águas interminavelmente, na floresta do Noroeste. Lembrou-se dos dias em que ficava ouvindo o som da cachoeira desde manhã até a noite. Até mesmo se imaginava vertendo águas como uma cachoeira, enquanto brincava com a luz cintilando na água e acariciava os pedregulhos e rochas lá embaixo. O pássaro sentia que era ele próprio uma cachoeira, vertendo águas sem fim.

Uma tarde, sobrevoando a floresta de Dai Lao, o pássaro viu que a cabana não estava mais lá. Toda a floresta tinha sido queimada, e restava somente uma pilha de cinzas no local onde outrora existira a cabana. Em pânico, o pássaro voou em todas as direções, buscando. O monge não estava mais na floresta. Aonde ele tinha ido? Cadáveres de animais. Cadáveres de pássaros. O fogo teria consumido o monge? O pássaro estava perplexo. Tempo, o que é você? Por que você nos traz aqui, e por que nos leva embora? O monge tinha dito que o tempo está imóvel na eternidade. Se assim for, talvez o amor tenha devolvido o monge a si próprio.

O pássaro voltou rapidamente à antiga floresta, onde pios angustiados de muitos pássaros e explosões revelavam que a antiga floresta estava queimando. Rápido, ainda mais rápido, o pássaro voava. O fogo espalhava-se pelo céu, e também junto à grande árvore. Centenas de milhares de pássaros gritavam de terror. Quando o fogo se aproximou da grande árvore, o pássaro bateu suas asas febrilmente, na esperança de apaga-lo, mas o fogo queimou com mais intensidade. O pássaro voou apressado até a fonte, encharcou suas asas e voltou depressa para atirar água sobre a floresta. Os pingos transformaram-se em vapor. Não era o suficiente, não o suficiente. O corpo do pássaro inteiro encharcado com água não era o suficiente para extinguir o fogo.

Centenas de milhares de pássaros gritavam. Pássaros jovens, sem penas para voar, gritavam. E então o fogo começou a queimar a grande árvore. Por que não havia chuva? Por que a torrente que vertia incessantemente na floresta do Noroeste não caia aqui como uma cachoeira? O pássaro soltou um grito lancinante, um grito trágico e apaixonado, e de repente seu grito foi transformado no som de uma cachoeira precipitando-se. Naquele momento, o pássaro sentiu a plenitude de sua existência. Solidão e vazio desapareceram, e a imagem do monge, a imagem do sol por detrás do pico da montanha, a imagem da água precipitando-se interminavelmente através dos milhares de anos tomou seu lugar. O grito do pássaro tinha se tornado o fragor da cachoeira, e sem medo, o pássaro mergulhou na floresta tal qual uma cachoeira majestosa.


Estava tudo calmo na manhã seguinte. Os raios do sol brilharam, mas não houve sinfonia, não houve o som de milhares de pássaros. Partes da floresta tinham queimado completamente. A grande árvore permanecia lá, mas mais da metade de seus galhos estavam queimados. Havia cadáveres de pássaros grandes e pequenos por todo lado. A floresta estava silenciosa.

Os pássaros que ainda estavam vivos chamaram uns aos outros, suas vozes denunciando sua perplexidade. Por qual graça tinha o céu repentinamente enviado chuva, que extinguira o fogo? Eles se lembravam de ter visto o grande pássaro branco agitando suas asas encharcadas. Eles procuraram por toda a floresta, mas não puderam encontrar o pássaro branco. Talvez ele tivesse ido embora para viver numa outra floresta. Talvez ele tivesse sido morto pelo fogo. A grande árvore, seu corpo queimado e machucado, não disse uma palavra. Os pássaros voltaram suas cabeças para o céu, e então começaram a construir novos ninhos nos galhos restantes da grande árvore. Será que a grande árvore sentiu falta da criança, a criança do ar sagrado da montanha e da energia vital de seus próprios quatro mil anos? Querido pássaro, aonde você foi? Ouça o monge: o tempo retornou o pássaro ao amor que é a origem de todas as coisas.


Notas do blog: traduzido a partir de The Ancient Tree, em The Stone Boy and other stories, Parallax Press, 1996; esta história foi escrita como um memorial para Nhat Chi Mai, discípula de Thich Nhat Hanh que se auto-imolou pela paz no dia 16 de Maio de 1967; tradução de Chân Mật Đăng – Verdadeira Luz Esotérica/ paraserzen

Outros textos traduzidos estão disponíveis na coluna ao lado direito da sua tela, em Palestras e Outros Textos de Thich Nhat Hanh e Plum Village

Lista de Ilustrações, pela ordem em que aparecem no texto:


(1) ©contemporary cloth, Birds and tree

(2) ©Tsk Tsk illustration and design, Miss Caulfield, Melbourne Bird Series

(3) ©istockphotos, Zen waterfall

(4) ©Angie Lewin, Five Trees, Wood Engraving

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