Wednesday, May 27, 2009

todos os tamanhos, todas as idades

Você consegue ler o que nós da Sangha jovem de Plum Village estamos escrevendo? (resposta ao final desta postagem)


apresentando a comunidade mirim e jovem do Interser...



Em Plum Village, as crianças são o centro da atenção. Os adultos responsabilizam-se por fazer com que elas se sintam felizes e em segurança. Sabemos que, se as crianças estiverem felizes, os adultos também estarão. Espero que se formem no Ocidente comunidades de prática como essa, com a cordialidade e o sabor de um prolongamento familiar, como irmãos e irmãs, tios e tias. Nossas crianças são crianças de todos. Devemos trabalhar juntos para descobrir meios de ajudar uns aos outros. Se conseguirmos fazer isso, todos desfrutarão da prática.

Thich Nhat Hanh
, em Ensinamentos sobre o Amor (clique para ler mais...)



durante o Retiro de Verão, as crianças são acompanhadas por monitores voluntários, que ensinam a elas a prática da plena consciência na tradição de Plum Village; nesta foto, sob a proteção da frondosa árvore de tília, as crianças cantam canções especialmente compostas para elas que, acompanhadas de gestos, ensinam praticar a compaixão, o olhar em profundidade, a atenção à respiração:

eu prometo desenvolver minha compreensão
a fim de viver em paz com todo mundo,
animais, plantas e minerais (2x)
hmmm, ahhhh, hmmm, ahhhh, hmmm, ahhhh

eu prometo desenvolver minha compaixão
a fim de proteger a vida de todo mundo
animais, plantas e minerais (2x)
hmmm, ahhhh, hmmm, ahhhh, hmmm, ahhhh



o jovem monge Phap Huu, já um Professor do Dharma, segurando o bebê Shunyata



pequenos praticantes convivem felizes e livres pelos jardins de Plum Village, e desde a infância vão formando uma comunidade internacional de paz


há tanto o que explorar, em segurança e liberdade... e lá vai o pequeno Tó


Lembro-me do depoimento de uma mãe, uma espanhola que veio para o Retiro de Verão com a bebê de 2 meses... Ela falou da enorme gratidão que sentia por poder estar junto com sua filhinha recém-nascida frequentando um retiro, assistindo às palestras do Thây e participando da meditação caminhando, sentido-se acolhida e bem-vinda, jamais incomodando -- onde mais, ela se perguntava, ela poderia participar com sua filha de um retiro... ah, o nome do bebê é Darma...


este superbebê lindo e feliz é o Rafael, filho da Helena, que mora nas proximidades e frequenta Plum Village desde o ventre... O irmão mais velho dele, Casper (que aparece na foto abaixo, tirada em 2006), aos 15 anos de idade pediu autorização aos pais e está morando em Plum Village desde o Retiro de Verão de 2008




as crianças não são meras espectadoras do retiro, mas ativas participantes... entre as iniciativas próprias, criam obras de arte com pedras, galhos, folhas, papel e outros materiais, que vendem para os participantes do retiro, e toda a renda arrecadada por elas é destinada a ajudar as creches e escolas no Vietnã ligadas a Plum Village



a felicidade é aqui e agora


o balanço sob a frondosa tília do Upper Hamlet já proporcionou alegria a pessoas de todas as idades... teve em seu colo muitas crianças, e as sentiu crescer, viu algumas delas tornarem-se adolescentes e até adultas...


a querida Kaliandra, presença que me abençoou durante o retiro de primavera de 2006, ajudando-me a cultivar alegria e espontâniedade, amor e curiosidade -- na foto abaixo, brincando com meu amigo Stuart, da Escócia




campeonato de futebol entre as monjas e as crianças menores, e na foto abaixo pode ser a platéia deste ou de outro jogo -- em Plum Village há uma maneira especial de competir não-competindo; todos os lances são comemorados, todos os gols, de ambos os lados, são igualmente felizes e celebrados pelos dois times, e ao final todos agradecem a oportunidade de terem jogado juntos

você já viu platéia mais sorridente, desfrutando de um jogo de futebol?



os monges são a companhia preferida das crianças... Um amigo meu, o Mark da Austrália (Hey, Buddha!), que estava passando uma temporada em Plum Village, convidou a irmã para visitá-lo. Ela veio com o marido e os três filhos, meninos de 7 e 5 anos de idade, e um bebê de 6 meses. Lembro-me que no início o garoto mais velho achou tudo "um pouco aborrecido", pois eles chegaram antes do início do Retiro de Verão e o Upper Hamlet estava ainda vazio e tranquilo... Mas logo ele se entrosou com os monges para brincar, e durante as duas semanas seguintes eu o vi cada vez mais livre, mais alegre, mais vigoroso, brincando com as crianças que tinham vindo do mundo inteiro... Ao final da estadia, na hora de ir embora, ele disse "agora eu ainda sou pequeno e tenho que ir embora com meus pais... mas eu quero ser monge, para poder viver para sempre aqui!"


tomando refúgio no Buda, que me apóia no caminho...



na caligrafia do Thây, protegendo nosso planeta, plantando sementes de compaixão -- e para aqueles dentre nós que trabalham bastante durante o verão, ver as famílias convivendo em paz, cultivando juntas a alegria, convivendo estreita e profundamente, dá ainda mais sentido ao trabalho... saber que cada pessoa, e especialmente as crianças e os jovens que vêm a Plum Village, são sementes de paz e compaixão que vão ser plantadas nos solos de seus países e suas comunidades... Trabalhar com esse sentido, por essa missão, é trabalhar feliz!



Linknão se deixe enganar pela juventude de alguns monges... o "ninja do sorvete" na foto acima é o Phap Huu, um dos assistentes pessoais do Thich Nhat Hanh -- Thây nos conta em sua carta que ele "veio a Plum Village pela primeira vez quando tinha sete anos de idade, e voltou diversas vezes depois desta... ordenou-se com a idade de doze anos, em Fevereiro de 2002. Agora Nhiệm irá receber a lâmpada e tornar-se um Professor do Dharma... leia mais aqui --; Phap Huu, aos 21 anos, tornou-se um dos mais jovens Professores do Dharma, e para além disso, é um dos Irmãos que eu mais respeito e quero bem, por sua prática dedicada e inspirada, com alegria e frescor, capaz de insights profundos, enorme capacidade de trabalho e iniciativa -- e apesar da "informalidade" que aparenta, é um grande conhecedor de todas as cerimônias e protocolos de Plum Village.





Há um retiro especialmente para os jovens, entre 16 e 25 anos, com muitas atividades criativas e recreativas, além de toda a prática de meditação -- sentada, caminhando, comendo, lavando louça, etc -- na tradição de Plum Village... há também muito esporte, e é uma experiência interessante e transformadora jogar junto dos monges, aprendendo a não-competir... Por exemplo, todos os monges comemoram todos os gols, não importando qual lado tenha feito o gol... para ver um slideshow realmente lindo do retiro de 2008, ofertado a nós pelo Irmão Phap Due, por favor acesse:
http://www.wkup.org/images/stories/photo-album/Summer_Retreat_Volleyball/index.html


reunião em família, durante o retiro dos jovens, nos jardins do templo de Son Ha, para compartilhar os frutos da prática -- vale enxergar o mundo de ponta-cabeça... Durante o verão de 2008 foi lançado o movimento Wake Up - Desperta (Jovens Budistas para uma Sociedade Saudável e Compassiva), saiba mais acessando o site http://www.wkup.org/


há muita música em Plum Village -- nesta foto, Guillaume toca flauta enquanto o Irmão Than Duc (pai do Pháp Huu, mencionado acima, monges ambos, pai e filho) repousa na rede, nos jardins do templo de Son Ha... Ouça a deliciosa canção Journey to Nowhere (Jornada a Lugar Nenhum), composta durante o retiro dos jovens em Junho de 2008 clicando aqui...


Um garoto de 14 anos que pratica em Plum Village contou-me que, toda vez que se sentia deprimido e ferido, o pai gritava com ele. Esse menino jurou que não agiria dessa maneira quando crescesse. No entanto, uma vez sua irmã pequena estava brincando com outras crianças quando caiu de um balanço e machucou o joelho. Esse acidente o deixou com muita raiva. O joelho dela estava sangrando, e ele sentiu vontade de gritar: “Como você pode ser tão estúpida! Por que fez isto?” Mas se segurou. Como estava praticando a respiração e a atenção plena, conseguiu reconhecer sua raiva e não agir assim.

Thich Nhat Hanh, Ensinamentos sobre o Amor (para ler mais dessa estória...)




eu em você, você em mim, somos a continuação um do outro... e as gerações convivem em paz, com alegria, compartilhando experiências -- em Plum Village





Eu tenho uma fotografia minha quando eu era um garoto de 16 anos. É uma fotografia minha? Eu não tenho tanta certeza. Quem é o garoto na fotografia? É a mesma pessoa que eu sou ou é outra pessoa? Olhe profundamente antes de responder. Há muitas pessoas que diriam que o garoto na fotografia e eu somos a mesma pessoa. Se o garoto é a mesma pessoa que eu, porque ele parece tão diferente? Esse garoto ainda está vivo ou ele morreu? Ele não é o mesmo que eu, mas também não é diferente. Algumas pessoas olham a fotografia e pensam que o garoto não está mais por aqui. Uma pessoa é feita de corpo, sentimentos, percepções, formações mentais e consciência, e todos esses mudaram em mim desde que a fotografia foi tirada. O corpo do garoto na foto não é o mesmo corpo que tenho hoje, hoje estou na faixa dos 70 anos. Os sentimentos são diferentes, e as percepções muito diferentes. É como seu eu fosse uma pessoa completamente diferente comparada ao garoto, mas se o garoto na foto não existisse, eu não existiria também. Eu sou uma continuação como a chuva é uma continuação da nuvem. Quando você olhar profundamente a fotografia, também poderá me ver como um homem velho. Você não precisa esperar 50 anos para isso. Quando a árvore do limão está florescendo, você pode não ver a fruta, mas se olhar profundamente poderá ver que a fruta já está lá. Apenas é necessária uma condição a mais para trazer os limões a tona. Os limões já estão lá na árvore. Olhe para a árvore e você verá não apenas os ramos, folhas e flores, mas se a árvore de limão tiver tempo ela se expressará em limões.

Thich Nhat Hanh, do livro No death, no fear (leia mais aqui...)



dedico esta postagem a toda a Sangha jovem de Plum Village, e especialmente ao Phap Thê, que hoje é um outro nome pelo qual posso chamar "o meu coração" - ele aparece numa pequena improvisação sobre a vida do Buda, num vídeo gravado durante o último Vesak em Plum Village, que você pode assistir clicando aqui...




Agora você consegue ler? P... V... PV... PV... PV... PV... PV... para Plum Village!

Tuesday, May 19, 2009

A árvore antiga

conto escrito por Thich Nhat Hanh

No coração da floresta havia uma grande e antiga árvore. Ninguém sabia quantos milhares de anos ela teria vivido. Seu tronco tinha a largura do abraço de dezoito pessoas. Suas grandes raízes aprofundavam-se na terra e se espalhavam por um raio de cinquenta metros. Sua casca era dura como rocha; pressionando-se um dedo contra ela, o dedo iria doer. Em seus galhos havia dezenas de milhares de ninhos, abrigando centenas de milhares de pássaros, grandes e pequenos. Sob a sombra da árvore, a terra era de um frescor incomum.

Pela manhã, quando o sol surgia, os primeiros raios de luz eram como a batuta de um maestro, iniciando uma grandiosa sinfonia; as vozes dos pássaros tão majestosas quanto qualquer grande orquestra filarmônica. Todas as criaturas da floresta erguiam-se vagarosamente, sobre duas ou quatro patas, maravilhadas.

Na grande árvore havia uma abertura tão grande quanto uma laranja de Bien Hoa. Ficava a doze metros acima do chão. Naquela abertura havia um pequeno ovo marrom. Ninguém saberia dizer se um pássaro teria trazido aquele ovo ali ou se ele tinha sido formado pelo ar sagrado da floresta e pela energia vital da grande árvore.

Trinta anos se passaram e o ovo permaneceu intacto. Durante algumas noites, os pássaros eram despertados do seu sono por uma luz brilhante vinda da abertura na árvore, iluminando todo um canto da floresta. Finalmente, uma noite, sob a lua cheia muito clara e um céu fortemente iluminado por estrelas, o ovo partiu-se e um estranho passarinho nasceu.

O passarinho deu um pequeno piado na noite fria, e continuou a piar através da noite até o sol aparecer – um pio que não era trágico nem audacioso, um canto de estranheza e de surpresa. Ele piou até que os primeiros raios de sol iniciaram a sinfonia matinal e as vozes de milhares de pássaros soaram. A partir daquele momento, o passarinho não piou mais.

O pássaro cresceu rápido. As nozes e grãos que as mamães pássaro traziam à abertura na árvore eram sempre abundantes. Em pouco tempo a abertura ficou pequena demais, e o pássaro teve de encontrar outra morada, muito maior. Ele tinha ensinado a si próprio a voar, e coletava gravetos e palha para construir um novo ninho. Embora o ovo tivesse sido marrom, o pássaro era branco como a neve. Sua envergadura era vasta, e ele sempre voava devagar e muito calmamente, muitas vezes até lugares distantes onde cachoeiras vertiam suas águas dia e noite, como se fossem a respiração magnífica da terra e do céu. Algumas vezes, ele não retornava por muitos dias. E quando retornava, ficava em seu ninho durante todo o dia e a noite, pensativo e quieto. Seus dois olhos brilhantes jamais perdiam a expressão de surpresa.

Na antiga floresta de Dai Lao, na encosta de uma colina, ficava uma cabana de eremita. Ali, um monge tinha vivido por quase cinqüenta anos. O pássaro voava freqüentemente sobre a floresta de Dai Lao, e de tempos em tempos via o monge descendo vagarosamente a trilha até a fonte, trazendo uma jarra de água na mão. Um dia, o pássaro viu dois monges andando juntos na trilha que levava da fonte à cabana e, naquela noite, escondido pelos galhos de uma árvore, observou enquanto a luz do fogo tremulava dentro da cabana e os dois monges dialogaram a noite inteira.

O pássaro voava alto sobre a antiga floresta, algumas vezes dias seguidos sem pousar. Lá embaixo ficava a grande árvore, e as criaturas da montanha e da floresta, cobertas pela relva, pelos arbustos e árvores. Desde o dia em que o pássaro ouviu o diálogo entre os monges, sua perplexidade cresceu. De onde vim e para onde vou? Quantos milhares de anos viverá a grande árvore?

O pássaro ouvira os monges falarem sobre o tempo. O que era o tempo? Por que o tempo nos trouxe aqui, e por que irá nos levar embora? A noz que um pássaro come tem sua própria deliciosa natureza. Como posso descobrir a natureza do tempo? O pássaro queria recolher um pequeno pedaço de tempo e ficar quieto em seu ninho por muitos dias para examinar sua natureza. Mesmo que levasse meses ou anos para examina-lo, o pássaro estava disposto a isso.

Planando alto por sobre a antiga floresta, o pássaro se sentia como um balão vagando em meio ao nada. Ele sentia que sua natureza era tão vazia quanto a do balão, e esse vazio era o solo de sua existência e a causa do seu sofrimento também. Se eu pudesse encontrar o tempo, pensava o pássaro, certamente eu encontraria a mim mesmo.

Depois de muitos dias e noites de vôo e contemplação, o pássaro veio silenciosamente descansar em seu ninho. Ele tinha trazido consigo um pedacinho de terra da floresta de Dai Lao. Absorto em pensamentos, apanhou o pedaço de terra para examina-lo. O monge da floresta de Dai Lao tinha dito a seu amigo:

-- O tempo está imóvel na eternidade, onde o amor e seu amado são um. Cada lâmina de grama, cada pedaço de terra, cada folha, cada um é um com esse amor.


Mas o pássaro não foi capaz de encontrar o tempo. O torrão de terra da floresta de Dai Lao nada revelou. Talvez o monge tivesse mentido. O tempo encontra-se no amor, mas onde está o amor? O pássaro lembrou-se das cachoeiras, vertendo águas interminavelmente, na floresta do Noroeste. Lembrou-se dos dias em que ficava ouvindo o som da cachoeira desde manhã até a noite. Até mesmo se imaginava vertendo águas como uma cachoeira, enquanto brincava com a luz cintilando na água e acariciava os pedregulhos e rochas lá embaixo. O pássaro sentia que era ele próprio uma cachoeira, vertendo águas sem fim.

Uma tarde, sobrevoando a floresta de Dai Lao, o pássaro viu que a cabana não estava mais lá. Toda a floresta tinha sido queimada, e restava somente uma pilha de cinzas no local onde outrora existira a cabana. Em pânico, o pássaro voou em todas as direções, buscando. O monge não estava mais na floresta. Aonde ele tinha ido? Cadáveres de animais. Cadáveres de pássaros. O fogo teria consumido o monge? O pássaro estava perplexo. Tempo, o que é você? Por que você nos traz aqui, e por que nos leva embora? O monge tinha dito que o tempo está imóvel na eternidade. Se assim for, talvez o amor tenha devolvido o monge a si próprio.

O pássaro voltou rapidamente à antiga floresta, onde pios angustiados de muitos pássaros e explosões revelavam que a antiga floresta estava queimando. Rápido, ainda mais rápido, o pássaro voava. O fogo espalhava-se pelo céu, e também junto à grande árvore. Centenas de milhares de pássaros gritavam de terror. Quando o fogo se aproximou da grande árvore, o pássaro bateu suas asas febrilmente, na esperança de apaga-lo, mas o fogo queimou com mais intensidade. O pássaro voou apressado até a fonte, encharcou suas asas e voltou depressa para atirar água sobre a floresta. Os pingos transformaram-se em vapor. Não era o suficiente, não o suficiente. O corpo do pássaro inteiro encharcado com água não era o suficiente para extinguir o fogo.

Centenas de milhares de pássaros gritavam. Pássaros jovens, sem penas para voar, gritavam. E então o fogo começou a queimar a grande árvore. Por que não havia chuva? Por que a torrente que vertia incessantemente na floresta do Noroeste não caia aqui como uma cachoeira? O pássaro soltou um grito lancinante, um grito trágico e apaixonado, e de repente seu grito foi transformado no som de uma cachoeira precipitando-se. Naquele momento, o pássaro sentiu a plenitude de sua existência. Solidão e vazio desapareceram, e a imagem do monge, a imagem do sol por detrás do pico da montanha, a imagem da água precipitando-se interminavelmente através dos milhares de anos tomou seu lugar. O grito do pássaro tinha se tornado o fragor da cachoeira, e sem medo, o pássaro mergulhou na floresta tal qual uma cachoeira majestosa.


Estava tudo calmo na manhã seguinte. Os raios do sol brilharam, mas não houve sinfonia, não houve o som de milhares de pássaros. Partes da floresta tinham queimado completamente. A grande árvore permanecia lá, mas mais da metade de seus galhos estavam queimados. Havia cadáveres de pássaros grandes e pequenos por todo lado. A floresta estava silenciosa.

Os pássaros que ainda estavam vivos chamaram uns aos outros, suas vozes denunciando sua perplexidade. Por qual graça tinha o céu repentinamente enviado chuva, que extinguira o fogo? Eles se lembravam de ter visto o grande pássaro branco agitando suas asas encharcadas. Eles procuraram por toda a floresta, mas não puderam encontrar o pássaro branco. Talvez ele tivesse ido embora para viver numa outra floresta. Talvez ele tivesse sido morto pelo fogo. A grande árvore, seu corpo queimado e machucado, não disse uma palavra. Os pássaros voltaram suas cabeças para o céu, e então começaram a construir novos ninhos nos galhos restantes da grande árvore. Será que a grande árvore sentiu falta da criança, a criança do ar sagrado da montanha e da energia vital de seus próprios quatro mil anos? Querido pássaro, aonde você foi? Ouça o monge: o tempo retornou o pássaro ao amor que é a origem de todas as coisas.


Notas do blog: traduzido a partir de The Ancient Tree, em The Stone Boy and other stories, Parallax Press, 1996; esta história foi escrita como um memorial para Nhat Chi Mai, discípula de Thich Nhat Hanh que se auto-imolou pela paz no dia 16 de Maio de 1967; tradução de Chân Mật Đăng – Verdadeira Luz Esotérica/ paraserzen

Outros textos traduzidos estão disponíveis na coluna ao lado direito da sua tela, em Palestras e Outros Textos de Thich Nhat Hanh e Plum Village

Lista de Ilustrações, pela ordem em que aparecem no texto:


(1) ©contemporary cloth, Birds and tree

(2) ©Tsk Tsk illustration and design, Miss Caulfield, Melbourne Bird Series

(3) ©istockphotos, Zen waterfall

(4) ©Angie Lewin, Five Trees, Wood Engraving

Friday, May 15, 2009

a meditação do alimento



Ao comermos uma deliciosa cenoura, temos que sentir que ela também é fruto do empenho de muitas gerações. Por trás de uma fatia de pão há uma história de milhares de anos. No Vietnã, quando comemos uma tigela de macarrão, temos consciência de que ela tem sua própria história. As mães não sabem automaticamente como temperar essa refeição. Esse conhecimento foi transmitido por muitas gerações. Todo bolo, todo prato possui sua própria história. A felicidade dos nossos ancestrais tornou-se nossa própria felicidade.

Thich Nhat Hanh em Ensinamentos sobre o Amor (leia mais aqui...)



começando pela tigela aparentemente vazia -- que se descobre nunca estar vazia, mas cheia de amor, de trabalho, de gratidão, de plena consciência, de sol e de chuva...





passando por uma legião de voluntários para a meditação do trabalho de cortar os legumes -- nas duas fotos acima, as mesas dispostas na varanda junto à cozinha do Upper Hamlet



que depois de cortados vão às cozinhas dos Hamlets onde outra legião de monges e voluntários laicos os processa...



até se transformar na comida bonita e apetitosa que encanta a tanta gente...



...tranquilamente saboreada durante um almoço picnic, sentados nos degraus da Torre do Sino (este, em Lower Hamlet), nos alimentamos saudavelmente por nossos ancestrais e por nossos descendentes, transformando comida em amor, alegria, irmandade, insights, compaixão...



Estes dizeres e caligrafia do Thây, o pão em tuas mãos é o corpo do cosmo, enfeitam o refeitório do Lower Hamlet -- numa folha de alface está o orvalho, as estrelas, as baleias, toda a memória da humanidade, o trabalho e o amor; em cada bocado está tudo o que na consciência individual e coletiva houver -- o cosmo...



quando a refeição fica pronta, o Irmão (aqui, ainda de avental de cozinheiro) soa o sino -- ou convida o sino, como dizemos em Plum Village -- e nos chama à plena consciência e para o almoço



para o almoço formal, Thây encabeça a longa procissão que segue do refeitório onde nos servimos de comida até o Salão de Meditação, através dos jardins...




...a longa fila, que incluirá toda a Sangha, monásticos vindo primeiro e por ordem de ordenação, e depois os praticantes laicos...



os homens na fila da direita, as mulheres na fila da esquerda, em silêncio e profunda concentração...



já no Salão, aguardamos todos entrarem, então Thây soa o sino, são lidas as Cinco Contemplações em pelo menos três idiomas (Inglês, Francês e Vietnamita) e só daí iniciamos a refeição que transcorrerá toda ela em silêncio, a não ser pelo tinir dos talheres e o mastigar... é maravilhoso participar de um almoço com centenas de pessoas em silêncio pacífico, desfrutando com presença e atenção da comida e da companhia uns dos outros -- é verdadeiramente milagroso, e uma prática muito efetiva de cultivar paz, atenção plena, gratidão



assim como a entrada, a saída também é formal e em fila...



com gratidão aceitamos a comida como uma benção, tanto mais desfrutada na companhia da Sangha, como neste almoço picnic, no jardim sob as árvores, em New Hamlet -- e podemos sempre praticar As Cinco Contemplações



Saboreie... em plena consciência




Ontem, em nosso retiro, nós tivemos uma festa da tangerina. A cada um foi oferecida uma tangerina. Nós colocamos a tangerina na palma de nossa mão e olhamos para ela, respirando de tal forma a fazer a tangerina se tornar real. A maioria das vezes em que comemos tangerina, sequer olhamos para ela. Nós pensamos em muitas outras coisas. Olhar para uma tangerina é ver o botão se formando em fruto, é ver os raios de sol e a chuva. A tangerina na palma da nossa mão é a maravilhosa presença da vida. Nós somos capazes de realmente ver a tangerina e sentir o cheiro de seu botão e da terra tépida e úmida. À medida que a tangerina se torna real, nós nos tornamos reais. A vida naquele momento se torna real.

Thich Nhat Hanh em O Coração da Compreensão (leia mais aqui...)