Wednesday, March 18, 2009

O Dia dos Ancestrais

Thây (sentado, à esq) assiste às crianças cantando na abertura da Palestra


Crianças cantando em coro:

Minha mãe, meu pai, estão em mim,
E quando olho, eu os enxergo em mim,
O Buda, os patriarcas, eles estão em mim,

E quando olho, eu os enxergo em mim,

Sou uma continuação da minha mãe e do meu pai,

Sou uma continuação de todos os meus irmãos e irmãs,
É minha aspiração

Preservar e continuar a nutrir

Sementes de testemunho, sementes de habilidade, de felicidade

Que eu tiver herdado;

É também meu desejo reconhecer

As semente de medo e sofrimento
Que eu tiver herdado,
E pouco a pouco transforma-las,

Sou uma continuação do Buda e dos patriarcas,
Sou uma continuação de todos os meus mestre espirituais,
É minha aspiração profunda

Preservar, desenvolver e nutrir
Sementes de compreensão, de amor, de liberdade

Que eles me transmitiram;

Em minha vida diária também quero semear
Sementes de amor e compaixão
Em minha própria consciência

E no coração das pessoas;

Estou determinado

A não regar sementes de desejo, aversão e violência nos outros,
Resoluto, com compaixão

Esta é a minha aspiração,
Possa a minha prática ser uma oferenda do coração,
Possa a minha prática ser uma oferenda do coração.


(texto musicado pela Irmã Ten Tai Nghiem, que mora no monastério de Blue Cliff, perto da cidade de Nova Iorque)

Bom dia, querida Sangha. Hoje é Domingo, 13 de Julho do ano 2008. Estamos no Templo do Néctar do Dharma, e hoje é o Dia dos Ancestrais.

As crianças cantaram, “Minha mãe, meu pai, estão em mim, e quando olho eu me vejo neles”.

Isso que você pode enxergar já é algo muito profundo.Você vê sua mãe e seu pai em você. Mas com quanta clareza e profundidade você pode ver isso? E quando você olha para a sua mãe e o seu pai, você se vê neles. Quão profundamente você enxerga isso?

Ontem, nós falamos sobre plantar uma semente de milho em solo úmido. Se você esperar por volta de dez dias, verá uma plantinha de milho surgir. Nas escrituras budistas, fala-se muito sobre sementes. Acho que nos Evangelhos cristãos também.

Estamos falando de uma semente de milho, um grão de milho. E quando você vê a plantinha de milho talvez você queira fazer a ela a pergunta, “Plantinha de milho, você se lembra de duas semanas atrás, quando você era uma semente de milho?”

No início do ano nós fizemos um retiro na Itália, e havia muitas crianças nele, incluindo muitas crianças italianas. Havia cerca de oitocentos praticantes. No último dia do retiro eu ofereci uma semente de milho a cada um.

Eu havia comprado um saco de sementes de milho numa loja ali perto, e acho que havia mais de mil sementes de milho naquele pequeno saco. Então distribui uma semente de milho a cada um. Pedi que eles a levassem para casa e plantassem, regassem todos os dias, e observassem à medida que fosse crescendo. Não ofereci uma semente de milho somente a cada criança, mas a cada adulto também, porque essa é a continuação da prática.


Quando você observa a planta de milho surgir, vê as primeiras duas folhinhas, depois as primeiras três folhinhas, e já não mais vê a semente de milho. Quando lá está a planta de milho, não se vê mais a semente de milho.

Mas você não pode dizer que a semente de milho morreu. Não. Ela não morreu. Ela se tornou uma planta de milho. Então, se você for esperto, se for habilidoso, se for inteligente, quando olhar a planta de milho ainda poderá enxergar a semente de milho.

E quando você perguntar à plantinha de milho, “Minha querida plantinha de milho, lembra-se de que há duas semanas atrás você era uma semente de milho?” -- pode ocorrer que a planta de milho tenha se esquecido disso. Pode ser que a plantinha de milho tenha se esquecido de que há duas semanas atrás era uma semente de milho. Duas semanas não é muito tempo, mas a planta de milho pode esquecer-se.

Então, você conversa com a planta de milho. Você diz, “Lembro-me muito bem que duas semanas atrás você era uma semente de milho. E que à medida que eu te dava água todos os dias, você foi capaz de germinar, e daí tornou-se uma plantinha de milho. Lembro-me muito bem. Talvez você não se lembre mais, mas eu sim.”

Assim você lembra à plantinha de milho que ela foi uma semente de milho. E embora agora você não veja a semente de milho, e a plantinha de milho não se enxergue a si mesma como uma semente de milho, a semente de milho está sempre lá. A pergunta que eu fiz às crianças e aos jovens no retiro da Itália era muito difícil, e alguns deles foram capazes de dar uma boa resposta.

A pergunta era: a planta de milho e a semente de milho são uma ou duas coisas?

Se elas forem uma coisa, então ambas são a mesma coisa. Ou são elas duas coisas totalmente diferentes? Esta é uma pergunta budista; é uma que é difícil, a planta de milho e a semente de milho. Você sabe que a plantinha de milho vem da semente de milho, e agora a questão é saber se elas são uma coisa só ou se são duas coisas separadas.

Claro, houve crianças que disseram que elas eram uma única coisa. Houve crianças que disseram que elas eram duas coisas diferentes: a semente de milho não é a planta de milho, e a planta de milho não é a semente de milho. São distintas. Mas a resposta correta é a terceira. Algumas crianças disseram, “Bom, elas não são nem a mesma coisa nem duas coisas diferentes”. Essa é uma resposta complicada, mas é a correta.

O ensinamento desta manhã é um pouco difícil. Suponha que esta é a semente de milho e esta é a planta de milho. Sabemos muito bem que a planta de milho vem da semente de milho. Isso está claro, porque você mesmo plantou uma semente de milho e viu a semente de milho germinar e tornar-se uma plantinha de milho.

Logicamente, você vê que a semente é uma semente. Uma planta é uma planta. Uma planta não pode ser uma semente, e uma semente não pode ser uma planta. Esta é a lógica formal. Mas se você olhar em profundidade – esta é uma outra palavra para meditação, e meditar é ter o tempo de olhar em profundidade – nós pensamos que estas coisas são duas coisas distintas, mas sem esta a outra não pode ser, porque a outra veio desta.

Então temos três respostas. A primeira é que a semente e a planta são um. A segunda resposta é a de que são duas coisas diferentes. E a terceira resposta diz que não são nem a mesma coisa nem duas coisas distintas. Não são nem a mesma coisa nem duas coisas diferentes porque a planta de fato mostra-se diferente da semente. A terceira resposta é a correta, não são nem o mesmo, nem diferentes.

Suponha que você olhe o álbum de família e se veja quando bebê. Você tinha apenas duas semanas de vida e sua mãe tirou a sua foto. A foto ainda está no álbum. E agora você tem 12 ou 14 anos de idade, e olha para o bebê. Você está tão diferente daquele bebezinho da foto. E você se pergunta, “Sou a mesma pessoa que aquele bebê ou sou uma pessoa totalmente diferente?”

Você é bastante diferente em tamanho e muitos outros aspectos. A forma, os sentimento, as percepções, as formações mentais, consciência, todas elas são diferentes. Você está muito diferente do bebezinho da foto. Então dizer que você é o mesmo que aquele bebê está errado de alguma maneira, porque você está muito diferente do bebê.

Mas dizer que você e o bebê são duas coisas completamente diferentes também está errado, porque sem aquele bebê você não pode ser você mesmo.

Então a resposta é o caminho do meio, e caminho do meio é uma expressão bastante budista. A resposta dada pelo Buda é que você não é a mesma pessoa nem uma pessoa diferente. Então a resposta budista é: nem o mesmo, nem diferente. E este é um dos ensinamentos mais profundos do Buda, mas eu acredito que mesmo que você seja muito jovem, você pode entendê-lo, porque é a verdade.



Quando você olha a si mesmo em profundidade, você vê o seu pai. Somente com meditação você pode ver isso claramente. A plantinha de milho pode ter dificuldade para enxergar em si mesma a semente de milho, mas fato é que ela é a semente de milho. Ela é a continuação da semente de milho, e a mesma coisa é verdadeira em relação a você. Você é a continuação do seu pai, a continuação da sua mãe. De alguma maneira, você é seu pai, você é sua mãe. Você não se parece exatamente como ele, mas ele está em você, e é esse o significado da frase que as crianças acabaram de cantar, “minha mãe, meu pai, eles estão em mim”.

Há uma meditação guiada aqui em Plum Village:

Inspirando, vejo o meu pai e a minha mãe em cada célula do meu corpo;

Ou

Inspirando, vejo a presença do meu pai e da minha mãe em cada célula do meu corpo;
Expirando, sorrio para o meu pai e a minha mãe em cada célula do meu corpo.

Você precisa visualizar isso. Você tem de ver isso como uma realidade e não somente como uma idéia, porque na meditação você enxerga concretamente, não fica somente com idéias abstratas.

E saiba que isso é também muito científico, porque seu pai e sua mãe transmitiram-se a você. Eles não transmitiram outras coisas, como um carro ou a conta bancária. Eles transmitiram a si próprios a você, e estão realmente lá, em cada célula do seu corpo. Você vem do seu pai; você vem da sua mãe.

Há jovens que ficam com raiva de seus pais ou de suas mães; com muita raiva. Eles chegam a dizer até uma coisa assim estranha como, “Aquele homem (o pai dele), não quero ter nada a ver com ele nunca mais”.

Quando você se irrita com seu pai, você pode dizer algo como, “Aquele homem, aquele cara, não quero ter nada a ver com ele”.

Você está com raiva demais quando diz alguma coisa assim, porque não é a verdade. O fato é que você é a continuação do seu pai. Você é seu pai. Você não pode arrancar o seu pai de você. Impossível.

E o pai pode ficar bravo com o filho, e quando fica assim bravo não consegue enxergar a verdade. Ele pode dizer algo como, “Aquele menino, aquele moleque, ele não é meu filho. Meu filho não seria assim. Eu não o reconheço como meu filho”.

Isso também não faz sentido, porque aquele jovem é a continuação dele. Não dá para dizer que não tem nada a ver com ele.

Então, pai e filho precisam praticar o olhar em profundidade, de maneira a que cada qual veja a si mesmo no outro.

família praticando a meditação caminhando em Plum Village

A mesma coisa é verdadeira com mãe e filha. Cerca de vinte anos atrás eu estava andando por uma rua de Londres, indo a uma livraria. Vi numa vitrine um livro com o título “Minha mãe, eu mesma”. Acho que era um livro de psicoterapia. Não comprei o livro, porque tive a impressão de que sabia o que ele continha. Era sobre mãe e filha. A filha ficando com raiva da mãe, e pensando que não tinham nada em comum, mas de repente vem o insight – você é filha dela. Você é ela. Você é uma continuação da sua mãe.

Numa Palestra do Dharma dada antes, neste mesmo ano, eu disse que temos nosso pai dentro de nós, mas ainda o temos fora de nós. Isso faz sentido. E meu pai dentro de mim pode ser um pouco diferente daquele fora de mim. Por quê? No início, quando ele se transmitiu a mim, o pai dentro de mim e o pai fora de mim eram muito parecidos. Mas porque vivi muitas situações diferentes, em ambientes distintos, o pai dentro de mim evoluiu diferente daquele que há fora.

E se eu sou um bom praticante, então meu pai em mim pode ser transformado numa boa direção. Se eu pratico plena consciência, concentração, insight, bondade amorosa, compaixão, então elas penetram no meu pai, também.

Este meu pai evoluiu no caminho da transformação e da cura, então meu pai em mim pode ser mais belo que o pai fora de mim, porque eu sou um bom praticante. O que herdei de meu pai beneficia-se da minha prática. É por isso que meu pai está crescendo de maneiras distintas dentro e fora de mim.

Então, tenho um relacionamento melhor com o pai dentro de mim, e quero melhorar esse tipo de relacionamento com o pai fora de mim, também. No caso de ser um bom praticante, isso não é difícil. Porque você evoluiu juntamente com o seu pai. Você cultivou mais bondade amorosa, paciência, compaixão e compreensão. É por isso que você pode ajudar seu pai fora de você a mudar, a se transformar. Mas se você não pratica, então você ainda terá muita raiva, discriminação e irritação, e nesse caso não poderá ajudar muito o seu pai.

O fato é que meu pai está tanto dentro quanto fora de mim. Quando o pai que está fora de mim morre, o pai dentro de mim continua a viver. E eu vou transmitir meu pai para meu filho e para minha filha.

Meu pai e minha mãe, eles são meus ancestrais, os meus ancestrais mais jovens. Como seres humanos, nós temos ancestrais humanos. Tivemos diversas gerações de ancestrais humanos e, geneticamente falando, todos os nossos ancestrais estão vivos em nós. Pensamos que todos eles já morreram, porém isso não é verdade. Nossos ancestrais de diversas gerações ainda estão vivos em nós, e nós os carregamos futuro adentro. Nós os transmitimos futuro adentro. Então, quando você se casa e tem filhos, você transmite seus ancestrais aos seus filhos. Os seus ancestrais adentram, assim, o futuro.

início da cerimônia do Dia dos Ancestrais, que se seguiu a esta palestra

Em Plum Village, todos os anos, nós celebramos o Dia dos Ancestrais. E durante este dia praticamos olhar em profundidade de maneira a reconhecer a presença de nossos ancestrais em nós, em cada uma de nossas células. Sabemos que nossos ancestrais são nossas raízes. É como a planta de milho que tem a semente de milho por raiz, e quando estamos todos bem enraizados, somos fortes. Mas se nossas raízes forem arrancadas, então não somos fortes o suficientes para enfrentar a vida.

É por isso que em países como o Vietnã cada família tem em casa seu altar dedicado aos ancestrais. O respeito aos ancestrais é o que praticamos. Na China também se pratica a veneração dos ancestrais.

Mesmo que você não seja rico, se em sua casa houver um espaço central, uma mesa ou um vestíbulo, crie ali um altar para os ancestrais. Você pode colocar um porta-incenso ou um vaso de flores sobre esse altar.

Quando choramos, nossos ancestrais também choram conosco. E quando escutamos uma Palestra do Dharma, nossos ancestrais também a escutam. Isso é realmente maravilhoso.

Então a prática consiste em dirigir-se todos os dias ao altar dos ancestrais e começar por tirar o pó. Você limpa o pó do altar, troca a água do vaso de flores, e acende um incenso, colocando-o no porta-incenso. É assim que praticamos.

E por que fazemos isso? Estamos entrando em contato com nossos ancestrais. Leva não mais de dois minutos para cuidarmos do altar dos ancestrais, mas durante o tempo em que o limpamos, enquanto acendemos um bastão de incenso, estamos realmente em contato com nossos ancestrais. Temos a sensação de que aonde vamos, nossos ancestrais estão conosco. Não nos sentimos sozinhos, não nos sentimos alienados. Esse é o benefício da prática de venerarmos os ancestrais.

Geralmente, nossos ancestrais têm o direito de saber o que se passa. E portanto, faz parte da tradição que se amanhã seu filho vai para a escola pela primeira vez, no jardim da infância, você acende um bastão de incenso e anuncia a seus ancestrais, “Queridos ancestrais, amanhã vamos levar nosso menininho ao jardim de infância”. Seus ancestrais têm o direito de saber disso.

É atencioso da sua parte informar a seus ancestrais que amanhã seu filhinho ou filhinha irá pela primeira vez ao jardim de infância. Você pode pensar que os ancestrais ficam ali sentados sobre o altar, mas de fato, o altar serve apenas para lembrar-nos de que nossos ancestrais estão em nós. O altar está dentro de nós, em cada célula do nosso corpo. Todos os genes que nos foram transmitidos por eles estão lá, e se formos capazes de tocarmos nossos ancestrais, então podemos receber o apoio e a ajuda deles.

Cada vez que você estiver em dificuldades, com um problema, você pode dirigir-se a seus ancestrais. Houve esta mulher, com câncer avançado, que nos contou que tinha um avô que era muito estável, sólido. E dissemos a ela que todas as células de solidez do avô dela estavam nela mesma. “Então peça ajuda! Peça ajuda ao seu avô! Vovô, sei que suas células são sólidas. Por favor venha ajudar-me”.

E se você tiver concentração e plena consciência, verá que seu avô está lhe respondendo. As células de solidez dele virão ajuda-la. E por fim aquela mulher curou-se do câncer, porque ela soube como rezar para o avô dela.

Então, onde quer que você vá, seus ancestrais estão com você. E se você estiver enraizado, se estiver atento, há de sentir-se mais sólido, mais enraizado, e você atravessará as dificuldades na sua vida muito melhor.

Quando vocês decidem casar sua filha com um jovem de uma outra cidade, vocês têm de informar isso aos ancestrais. Precisam preparar uma oferenda. Podem colocar a oferenda no altar, acender o incenso e dizer, “Queridos ancestrais, decidimos casar nossa filha com aquele jovem. Por favor nos dêem apoio”.

Esse é o tipo de prática que fazemos no Vietnã, na China, na Coréia, etc. Então hoje temos o Dia dos Ancestrais [aqui em Plum Village] de forma a termos uma oportunidade de entramos em contato com eles, porque acessa-los nos traz força e muitos outros benefícios.

Temos nossos ancestrais de sangue, mas temos também nossos ancestrais espirituais. Para os cristãos, Jesus Cristo é o ancestral espiritual. E ele está em nós porque o Cristianismo foi transmitido a você pelo padre, pelo ministro, por seu professor, e assim você tem Jesus Cristo em cada célula do seu corpo. Se você tiver problemas, pode rezar para ele. Ele não está longe. Ele não está no céu. Ele está em cada célula do seu corpo; você pode tocar Jesus Cristo em cada célula do seu corpo. Se você for um bom cristão, Cristo está disponível em todos os momentos.

durante uma Palestra do Dharma, este bebê afastou-se de sua mãe e foi sentar-se tranquilo e feliz entre as Irmãs da Sangha monástica de Plum Village -- estaria ele reconhecendo seus ancestrais espirituais?


Se você segue a tradição budista, o Buda, o Venerável Ananda e Shariputra são seus ancestrais espirituais. Os mestres através de muitas gerações também são seus ancestrais espirituais, e porque você aprendeu o Dharma, você ouviu Shariputra, você ouviu o Buda. É por isso que a semente, os genes do Buda e de Shariputra estão em cada célula, porque a transmissão é feita de duas maneiras; há a transmissão pela via genética e a transmissão pela via espiritual.

Como mestre, você transmite-se aos outros pela via espiritual, não pela genética. Então, há aqueles de nós que têm Jesus e Buda como ancestrais espirituais. Se você estiver em harmonia, não sente qualquer conflito por ter a ambos como ancestrais. Quando você recebe os Cinco Treinamentos da Plena Consciência, reconhece que eles são bastante cristãos. Se você olhar em profundidade, verá que na tradição cristã há o equivalente aos Cinco Treinamentos. E você se torna um cristão melhor praticando os Cinco Treinamentos da Plena Consciência. Não há conflito, não há discriminação. Você tem direito a ter vários ancestrais espirituais.

Se você enxergar profundamente, nós temos ancestrais animais, também. Para tal precisamos praticar meditação, para vermos em profundidade. Nossos ancestrais não são apenas humanos, porque a espécie humana é uma das mais recentes sobre a Terra. Muitas apareceram tardiamente na Terra, e antes da espécie humana aparecer, apareceram outros animais. Então, temos nossos ancestrais humanos, mas temos também nossos ancestrais animais. Aprender isso é muito estimulante, ver de onde viemos no que concerne à ancestralidade. Que tipo de animal fomos no passado, antes de termos a forma humana?

Então, sou um ser humano, mas também tenho ancestrais animais, e eles estão vivos em mim. Na literatura budista, dizemos que em alguma de nossas vidas passadas fomos um esquilo, um peixe, ou um pássaro. E isso não é apenas poético, é científico também.

Em uma de suas vidas pregressas, você foi um pássaro ou um peixe ou um cervo, e não apenas no passado. Hoje ainda você continua a ser um pássaro, um peixe, um cervo. Em mim, sinto muito concretamente que ainda sou um pássaro, um peixe, um cervo, porque de fato tenho ancestrais animais. E se você reconhecer os animais como seus ancestrais, você será melhor para com eles. Você não desejará comer seus ancestrais. Não é nada gentil comer seus ancestrais.

Daí, temos nosso ancestrais vegetais. De fato, os vegetais apareceram antes dos animais. No passado, numa vida pregressa, você foi um pinheiro, uma planta aquática, um cogumelo. Por que não? Por isso você tem de olhar em profundidade para sentir que também somos feitos de animais e vegetais. Você vem dos vegetais e dos animais, e se souber disso, se lembrar disso, então você desejará protegê-los, vivendo de uma tal maneira que ajude a proteger animais e vegetais, porque eles também são nossos ancestrais.

Olhando mais em profundidade, vemos que temos ancestrais minerais, também. Água, rocha, terra, pó – você é feito de estrelas. Você é feito de minerais. Sem minerais não poderia haver vegetais, animais ou humanos. Por isso é importante dar-nos o tempo de olharmos em profundidade. Para enxergar, reconhecer todos os nossos ancestrais. Ancestrais de sangue. Ancestrais espirituais. Ancestrais humanos. Ancestrais animais. Ancestrais vegetais. E também os ancestrais minerais.

No Sutra do Diamante, o Buda diz que há quatro idéias a serem transcendidas, e uma delas é a idéia de ser humano. Um ser humano: o Buda nos aconselha a olharmos em profundidade, a meditar. Quando você olha o ser humano, pode enxergar que o humano é feito de elementos não-humanos. Nominalmente: animais, vegetais e minerais. Quando perceber isto, vai querer proteger animais, vegetais e minerais.

Então, se você olha o ser humano e vê animais, vegetais e minerais, vê realmente o ser humano. No entanto, se olha para o ser humano e não enxerga animais, vegetais e minerais, você não viu o ser humano. Você tem a percepção errônea, uma idéia errada do ser humano. E esta é uma das noções a serem removidas. É por isso que costumo dizer que um dos escritos mais antigos sobre Ecologia Profunda é o Sutra do Diamante. O insight contido nele nos ajuda a proteger o meio-ambiente.

várias gerações de uma mesma família diante do quadro onde os praticantes deixaram escritos os nomes dos seus vários ancestrais -- e eu diria "família que pratica unida, permanece unida"


A prática hoje é tomarmos um pedaço de papel e anotarmos os nomes de nossos ancestrais, até onde você conseguir lembrar-se. Pode começar com seu pai e sua mãe, seus ancestrais mais jovens. Talvez seus avós. Bisavô, bisavó, e assim por diante. Você pode colocar os nomes dos seus ancestrais espirituais – Maomé, Buda, Jesus, Shariputra, etc. Você pode incluir alguns dos seus ancestrais animais, alguns dos ancestrais vegetais, alguns dos seus ancestrais minerais, e assim por diante.

Esta é a prática. Você vai reconhecendo os seus ancestrais enquanto faz isso. E você está perdendo o seu eu artificial. Passa a saber que está ligado a todos e a tudo mais. Você está praticando não-eu quando anota os nomes dos seus ancestrais.

Você precisa de plena consciência, de concentração para escrever os nomes dos seus ancestrais. Isso pronto, você vem ao altar e os oferece. Esta é a nossa prática. A prática de tocar nossos ancestrais é muito importante em Plum Village; nos torna fortes, sólidos e felizes. Ela nos torna mais compassivos, compreensivos e amorosos.

PARTE 2

Querida Sangha, ontem tivemos uma pergunta sobre autoridade, poder. Houve a questão feita por um estudante universitário que nos disse ter ambição pelo saber, pelo sucesso, por uma posição social. Como ele pode conciliar essa ambição, esse desejo de ter sucesso, com a prática da plena consciência? Quer dizer, buscando ter uma vida simples, etc.

A pergunta sobre o poder é importante, porque muitos de nós possuem a tendência de abusar de nosso poder. Mesmo que você não tenha muito poder.

Pais podem abusar de seus filhos usando de seus poderes como pai e mãe. E embora algumas vezes sintam-se sem poder algum, assim mesmo usam do poder, da autoridade de pai ou mãe. E as crianças se sentem indefesas, porque elas não conseguem defender-se de igual para igual, e assim sentem-se incapazes. Mas não somente as crianças. Os pais sentem-se igualmente incapazes. Sentem que nada podem fazer para mudar – para ajudar – seus próprios filhos.

Nossos poderes são sempre limitados, incluindo o econômico e o político. Muitos jovens pensam que ser o presidente dos Estados Unidos da América é ter muito poder. Esse é o pensamento de muita gente. Mas acho que Mr. Bush (*) muitas vezes sente-se incapaz, sem poder algum. Ele sente que precisa de mais poder para resolver problemas tais como o preço dos combustíveis, a guerra no Iraque. Ele se sente incapaz. Ele sente que não tem poder suficiente para parar a guerra. Continuar com a guerra é difícil, mas parar a guerra é igualmente difícil, então ele deve sentir-se algumas vezes incapaz. E se o presidente dos Estados Unidos não tem poder suficiente, quem dentre nós pode dizer que tem suficientes poderes?

Claro, quando você é rico sente-se mais poderoso. Com seu dinheiro você pode comprar muitas coisas. Você pode controlar muitas coisas, e ainda assim já testemunhamos o fato de tantos milionários, gente extremamente rica, sentir-se incapaz. E alguns deles cometem suicídio.

A questão do poder é muito importante. O que o Buda pensa sobre poder e autoridade? Na tradição budista falamos dos três tipos de virtude, sobre o poder verdadeiro, que todos podem buscar. Não há perigo algum em buscarmos estes poderes, porque estes poderes podem nos fazer feliz.

Geralmente, no mundo, buscamos por outros tipos de poderes – a saber: riqueza, fama, poder e sexo. Muita gente no mundo pensa que a felicidade é feita desses quatro elementos. E estamos arruinando nosso planeta por conta deste tipo de busca.

Assim que você conquista alguma riqueza, é encorajado a possuir mais, porque uma pessoa rica sempre quer continuar a ser rica. Ela deseja ser mais rica, então segue nesse caminho. Não consegue parar. Alguém é famoso e quer ficar mais famoso, então continua a perseguir isso. Alguém tem algum poder e deseja ter uma posição ainda mais elevada. Busca mais e mais poder. Não há fim para este tipo de busca. E nem todos conseguem obter esse tipo de coisa correndo atrás dela. Muitas pessoas sofreram muito profundamente perseguindo esses quatro tipos de desejo.

Thich Nhat Hanh em foto tirada durante esta palestra, no Lower Hamlet de Plum Village, Julho de 2008

Na tradição budista, falamos de três tipos de poder, três tipos de virtude. Quando você tem estes tipos de poder, sente-se forte, feliz, livre. O primeiro tipo de poder é o de “podar”.

Você tem desejos, e sofre muito por causa deles. Você tem raiva, e sofre por causa da sua raiva. Você tem ciúmes, e sofre muito por causa desse ciúmes. Você tem dúvidas. Desejo, raiva e ciúmes são como uma chama que consome você. Eles queimam. Por isso, se você for capaz de podar seu desejo, sua raiva e seu medo, irá tornar-se uma pessoa livre, e será muito feliz. O poder de “podar” é o primeiro poder mencionado pelo Buda.

Objetos do desejo, sejam eles riqueza, fama, poder ou sexo, contém muito perigo. Quando você pesca, joga na água uma isca. Dentro da isca está o anzol. Hoje em dia, não se usa mais uma isca de verdade, elas são de plástico, e também parecem muito atrativas, e o peixe não sabe a diferença. Eles enxergam a isca e a mordem. São puxados pelo anzol para fora d’água, e morrem.

Tantos de nós correm atrás deste tipo de isca. Não vemos o perigo contido nestes tipos de objetos do nosso desejo, e portanto é muito importante não buscarmos felicidade na direção do desejo. Com sabedoria, entendimento – usamos a sabedoria e o entendimento como a uma espada – podamos nosso objeto do desejo. Este é o primeiro tipo de poder. Um bom praticante sempre tenta fazer isso. Podar a raiva, desejo e ciúmes, e para isso a espada que usam é a do entendimento. Eles conseguem ver na natureza do desejo todo o perigo, como o anzol que se esconde por trás da isca.

O segundo tipo de poder ensinado no budismo é o poder do entendimento. Isto é insight. Insight é o fruto da meditação. Se você tem bastante plena consciência, você cultiva sua concentração. Com plena consciência e concentração poderosas, você pratica o olhar em profundidade. E você tem a penetração do coração da realidade. Esse tipo de insight libera você das suas ilusões, das suas compreensões errôneas, das suas percepções, e você se liberta.

A sabedoria é uma espada. O bodhisattva Manjushri é uma pessoa que descrevemos com grande entendimento. Ele está sempre empunhando uma espada, a espada do entendimento. Com a espada da sabedoria, ele consegue cortar através de todo o tipo de compreensão errônea e ilusão. Se você é um bom praticante, com concentração e plena consciência, você pode ter esta penetração da realidade, e ter um insight que o ajudará a liberar-se do seu sofrimento.

Quando você tem esse tipo de insight, esse tipo de sabedoria, você pode superar suas dificuldades muito facilmente. É com sabedoria que você pode sair de situações difíceis. Quando outras pessoas chegam até você e apresentam os problemas delas, você pode ajudá-las a superar suas dificuldades. Talvez em 50 minutos você ajude uma pessoa a libertar-se a si mesma, porque você tem sabedoria, você possui insight.

Sozinha, aquela pessoa pode seguir anos a fio sem encontrar uma solução. Mas quando ela vem a você, por você ter sabedoria, você mostra o caminho a ela, e assim essa pessoa pode libertar-se em 50 minutos ou até menos. Este é o segundo tipo de poder que você pode obter com a prática [da meditação].

Insight é a flor e o fruto da prática. Quando temos bastante concentração e plena consciência, vamos de verdade obter o insight de que precisamos para superar nossas dificuldades e ajudar outras pessoas a superá-las. Você é muito rico em insight, e em liberdade.

O primeiro poder espiritual nos ajuda a libertar-nos do desejo, da ilusão e da raiva. O segundo tipo de poder também nos ajuda a remover a ilusão, a ignorância e a compreensão errônea. Com esse tipo de poder você pode ajudar muitas pessoas ao seu redor a fazerem o mesmo. Você distribui felicidade ao seu redor simplesmente porque você possui sabedoria, insight. E isso ninguém pode arrancar de você, ninguém pode roubar, porque não podem usar arma nenhuma para remover sua sabedoria.

o belo Buda branco dos jardins do Upper Hamlet, Plum Village

A terceira fonte de poder é o amor, que significa gentileza. Você está distribuindo gentileza. “Você pode me fazer uma gentileza?” Sim. E você está sempre distribuindo felicidade. Esse é o poder do perdão, da aceitação. Aceitar, perdoar e oferecer compreensão e amor. Como um praticante capaz, você tem esse poder. Você tem a capacidade de perdoar. Você tem a capacidade de aceitar a pessoa assim como ela é.

Há aqueles dentre nós que não são capazes de aceitar o outro. Há aqueles dentre nós que têm dificuldade em aceitar uma situação. Dizem “Se eles não mudarem, eu não mudarei. Já que eles são daquele jeito, vou continuar a ser assim”. Isto porque eles não possuem este tipo de poder; porque se você o tiver irá aceita-los assim como são. Você aceita a situação, e segue em frente. Você para de reagir e começa a agir.

No passado, você esteve somente reagindo. Reagindo à situação, às outras pessoas, mas assim você não chega a parte alguma. No entanto, se você aceita a situação tal qual é, se aceita as pessoas assim como são, você simplesmente age. Com esta prática você se transforma, e com mais leveza, mais bondade amorosa, mais sabedoria, você é capaz de mudar a situação e as pessoas ao seu redor. Você não impõe a condição de “se o outro não mudar”. Não há maneira de a situação melhorar se você disser isso.

Agora, se você tem o terceiro tipo de poder, você diz “Ele é assim. Ela é assim. Eu os aceito como são, e irei cultivar mais bondade amorosa, mais insight, mais leveza. Com isso serei capaz de ajuda-los, e de mudar a situação”.

Porque agora você tem a capacidade da aceitação, do perdão. E esta é uma fonte tremenda de poder. Não há perigo algum em você empregar seu tempo cultivando estas três fontes de poder. E quanto mais desse tipo de poder você tiver, mais feliz você se torna, e as pessoas ao seu redor irão tornar-se também mais felizes.

Muitas pessoas são vítimas do próprio sucesso, riqueza, poder. Mas se você tiver este outro tipo de poder, você nunca se torna vítima do seu sucesso. Este é o único tipo de sucesso que não o fará vitima. Por outro lado, todos os outros tipos de sucesso farão de você uma vítima. Você tem sucesso político, e morre como político. Você tem sucesso como um líder nos negócios, e pode morrer vítima do seu próprio sucesso. Mas neste caso a situação é diferente. Quanto mais poder você tem, mais livre você fica, mais amoroso você se torna. E não há perigo algum em cultivar este tipo de poder.

Quanto à questão formulada pelo estudante universitário, creio que ele pode meditar sobre isso. Ele deseja ter sucesso, tornar-se um grande estudioso, tornar-se alguém com boa posição social. De fato, uma vez que você tenha estes três tipos de poder, não há perigo algum se você tiver alguma riqueza e alguma fama. Se você tiver esses poderes, então sua riqueza e sua fama irão tornar-se úteis para você. De outra maneira, são muito perigosas.

O Budismo não é contra riquezas e poder. A única coisa de que somos lembrados é que correr atrás de riqueza, poder e fama pode sair muito caro. Você pode sofrer tremendamente perseguindo estas coisas. Mas se você tiver poderes espirituais, então não se tornará vítima de sua própria riqueza, fama ou poder. De fato, saberá fazer bom uso da riqueza que possuir, do poder e da fama que obtiver, de maneira a fazer o bem para as pessoas ao seu redor.

três da pessoas mais imensamente ricas que conheço (da esq. para a dir.) -- os queridos Pháp Banh, Pháp Don e Pháp Thûyen, nos jardins de Plum Village durante o Retiro de Verão de 2008

Portanto, não é que um bom praticante busque a pobreza. Um bom praticante pode ter dinheiro, porém ele sabe usar o dinheiro de forma a concretizar seu ideal de compaixão e de compreensão. Quantas pessoas são assim livres? Quantas pessoas sabem usar seu dinheiro, seu poder, sua fama de uma maneira boa? Não muitas, a não ser que tenham algum poder espiritual -- o poder de “podar”, o poder da sabedoria, e do perdão. As pessoas não são capazes de usar os poderes mundanos para trazer felicidade a elas mesmas e às outras pessoas.

No budismo e no cristianismo falamos de pobreza voluntária. Você quer viver de modo simples. Uma vida simples está na sua maneira de viver, porque se você vive uma vida simples não gasta a maior parte da sua vida ganhando a vida. Você tem tempo de desfrutar de outras coisas, espiritualmente. Você tem tempo para o céu azul, para a chuva, para o brilho do sol, para as crianças, para aqueles a quem ama. Portanto, viver de maneira simples pode ajudar você a desfrutar de si mesmo, da vida, e a cuidar daqueles a quem ama.

Você é pobre, mas é porque você quer ser pobre. Na verdade, você é muito rico, porque tudo pertence a você – o brilho do sol, o céu azul, os pássaros, as colinas, e cada momento do seu cotidiano pertence a você. Há quem seja extremamente rico, mas que não tem nada. Não tem o céu maravilhoso, não tem as belas colinas, não tem tempo para amar nem para cuidar daqueles a quem amam. Os ensinamentos do Buda são claros nesse ponto. Não somos contra ter dinheiro ou uma boa posição social. Se você tiver poderes espirituais, e o bastante em insight e amor, todo aquele dinheiro, poder e prestígio que tiver o ajudarão a realizar o ideal do bodhisattva.

Portanto o jovem universitário pode continuar a buscar conhecimentos e uma boa posição social, se ao mesmo tempo ele for capaz de cultivar estes tipos de poderes espirituais. Haverá menos perigo para ele, se ele for um bom praticante, cultivando todos os dias mais destes poderes. O poder de “podar”, o poder do entendimento e o poder do amor. Isso traz a você muita liberdade, traz a você muita felicidade, e você não mais acredita que sem muito dinheiro e sem muita fama você não pode ser uma pessoa feliz.

Thich Nhat Hanh

Copyright ©Plum Village sites 2008




Notas do blog:

Nenhuma das fotos acima é de minha autoria -- a maior parte delas foi colhida nos álbuns dos sites oficiais de Plum Village (cujo link aparece abaixo), e de álbuns de praticantes que lá estiveram e disponibilizaram suas fotos na internet, aos quais agradeço imensamente por possibilitarem ilustrar esta palestra.

A cerimônia do Dia dos Ancestrais é celebrada em três idiomas (como grande parte dos eventos que ocorre em Plum Village, em Inglês, Francês e Vietnamita), e em conjunto pela Sangha monástica e laica -- em 2008, participaram naquele dia cerca de mil pessoas, adultos e crianças, estas com uma participação muito especial e pertinente.

(*)esta palestra foi dada por Thich Nhat Hanh durante o Retiro de Verão de 2008, quando George W. Bush era o presidente dos EUA.

- se desejar ver mais fotos da cerimônia deste Dia dos Ancestrais , por favor acesse o seguinte álbum (páginas 1 e 2):
ttp://www.langmai.org/HinhAnh/HinhAnhSH/ky_69-MuaHe-GioTo/Dynamic/index.html

- para acessar o site oficial de Plum Village, em Inglês:
http://www.plumvillage.org/

Tradução de Chân Mật Đăng – Verdadeira Luz Esotérica/ paraserzen

Uma carta para todas as minhas crianças espirituais

Uma carta para todas as minhas crianças espirituais, agora que o ano se aproxima do fim

Cabana do Sentar na Calma (Still Sitting Hut), 5 de Dezembro de 2008

Faz sol hoje no Upper Hamlet. Fiz meditação caminhando descendo até o Templo do Sopé da Montanha (Lower Mountain Temple), ao longo da trilha com pinheiros. Da Cabana do Sentar na Calma até a trilha com pinheiros, passei por gramados que estavam cobertos por folhas de carvalho, especialmente ao redor da Cabana da Nuvem Flutuante (Floating Cloud Hut) de Thầy Giác Thanh. O carpete de folhas de carvalho era muito espesso. Havia folhas que ainda estavam frescas, da cor dos robes dos monges Theravada. As árvores deixam cair suas folhas e tornam a terra mais rica – a terra e a árvore nutrem uma à outra – vi isso claramente. Caminhei muito lentamente, para que eu pudesse estar em contato com a dimensão absoluta a cada passo, o que significa estar em contato com o tempo sem fim e o espaço infinito.

(Thầy passeando pelo jardim com uma monja atendente, Lower Hamlet, Plum Village)


Estava caminhando por mim mesmo, mas também caminhava por meu pai e mãe, por meu mestre, meus ancestrais, o Buda, e por você. Não vejo separação entre eu e meus pais, meus ancestrais, o Buda, e você. Tudo está presente a cada passo em plena consciência. A gatha “Deixe o Buda respirar, deixe o Buda caminhar” é muito boa. Quanto mais pratico, mais efetiva se torna; é por isso que a pratico regularmente. Esta gatha também pode ser praticada para outras posições, assim como “Deixe o Buda respirar, deixe o Buda sentar”; “Deixe o Buda respirar, deixe o Buda trabalhar”; “Deixe o Buda respirar, deixe o Buda escovar os dentes”. Esta prática é como a de invocar o nome do Buda. “Buda” aqui não é um título; Buda é um ser humano real que está respirando, caminhando, lavando louças, varrendo o chão...

Lembrei-me de como, recentemente, no tour pela Índia, eu pratiquei “Aqui é Ấn Độ (Índia), Ấn Độ é aqui” ao invés de “Aqui é Tịnh Độ (a Terra Pura), Tịnh Độ (a Terra Pura) é aqui”. Quando fizemos a meditação caminhando na Rajpath Street em Nova Delhi, pratiquei esta gatha; e ao mesmo tempo pratiquei o caminhar para meu pai, mãe, ancestrais espirituais, e para você. Eu pratiquei: “O Buda está caminhando, o Buda está desfrutando; o Buda está feliz, o Buda é livre. Eu estou caminhando, eu estou desfrutando...” E então “meu pai está caminhando, meu pai está desfrutando...” Quando pratiquei para você, convidei-o a andar com os meus pés: “Eu estou caminhando, eu estou desfrutando...” Cada um e todos vocês estiveram presentes comigo durante toda a viagem à Índia.


(Thầy e monásticos de Plum Village em Bodhigaya, Índia, Outubro 2008)


Minhas crianças, vocês são monásticos (xuất sĩ) e laicos (cư sĩ). “Xuất” significa ir em frente ou sair de, não ter uma posição social elevada, mas ser assimilado pela comunidade monástica. Se a sangha precisa que você vá a algum lugar, então você vai; você não tem um único lugar de morada. “Cư " significa morar; “cư sĩ” também significa “xứ sĩ”, aqueles que não “foram em frente” ou se ordenaram como monásticos, que ainda têm responsabilidade por seus pais mas que também têm a oportunidade de participar da prática e de uma comunidade de quatro partes. As comunidades monástica e laica se apóiam uma à outra, praticando a transformação e ajudando seres vivos. O corpo da sangha é a bela comunidade de quatro partes – monges, monjas, praticantes laicos e praticantes laicas – “tornando reais a harmonia, a plena consciência e a liberação...” O ativista pelos direitos civis Martin Luther King Jr. tinha esperanças de construir uma comunidade assim: uma comunidade que tenha felicidade, irmandade, e também a capacidade de lutar pelo bem da sociedade. Ele a chamava de “adorada comunidade”. É uma pena que ele tenha sido assassinado em Memphis, quando tinha 39 anos de idade, e que esse sonho tão belo em particular não tenha se realizado. Nós somos mais afortunados: somos capazes de construir sanghas por toda a parte, de tal forma que todo lugar se torna a nossa pátria (“O corpo da sangha está por toda a parte; meu verdadeiro lar é aqui mesmo.”) Nós fomos capazes de continuar e de tornar real a aspiração de Martin Luther King: cultivando irmandade em nossa prática diária, vivendo com alegria e ajudando aos outros.

(Thầy e Martin Luther King, na década de 1960)

Eu me lembro da última vez em que encontrei o Dr. King, na Suíça, à conferência “Pacem in Terris” organizada pelo Conselho Mundial de Igrejas (World Council of Churches), em 1968. O Dr. King estava hospedado com seu assistente no décimo primeiro andar do grande hotel onde a conferência estava acontecendo. Eu estava no térreo, com um único assistente laico. O Dr. King convidou-me a tomar o desjejum com ele, para que pudéssemos conversar. Porque estive ocupado numa entrevista com a imprensa, atrasei-me por meia hora, mas o Dr. King havia mantido o meu desjejum aquecido. Naquele encontro, tive a oportunidade de dizer a ele: “Nossos amigos no Vietnã o apóiam, e o vêem como a um bodhisattva vivo.” Ele ficou muito feliz ao ouvir isso. Toda vez que me recordo daquele encontro alegro-me por ter dito isso a ele, porque ele foi assassinado uns poucos meses depois.

(trilha de pinheiros que desce de Upper Hamlet a Sơn Hạ ,
com os pinheiros plantados mais recentemente, e a aldeia de Puyguilhelm ao fundo)



A trilha de pinheiros que leva ao templo de Sơn Hạ é uma das mais bonitas em Plum Village. Alguma vez você já caminhou nela comigo? Os pinheiros foram plantados para constituírem uma floresta, em colunas, próximos uns aos outros assim como o corpo da sangha – frescos e verdes durante o ano inteiro. Há cerca de 8000 pinheiros naquela floresta. Na estação seca, costumo parar no meio da trilha e sentar-me sobre o carpete de agulhas dos pinheiros. Se há um atendente comigo, então professor e aluno tomam chá juntos antes de se levantarem e continuarem a caminhar.

A cabana em Sơn Hạ onde eu costumo acender o fogo para receber monges e monjas veneráveis, que vêm participar da Grande Cerimônia de Ordenação durante o Retiro de Inverno, costumava ser a casa de uma família de fazendeiros. Por fora parece muito feia; mas por dentro foi reformada de uma maneira adorável e é bastante confortável, especialmente ao redor da lareira na sala de estar. Na chaminé sobre a lareira há uma caligrafia que diz “bois ton thé” – o que significa “beba seu chá”. Em dias frios e de neve, 20 ou 30 de nós se reuniram ali, ao redor da lareira, para beber chá e contar histórias de muitos lugares, pois cada um vem de uma parte diferente. “Nós somos pássaros, que aqui voaram vindos das quatro direções...”


(monásticos reunidos na sala da lareira da Cabana Pele de Sapo, Plum Village)


Tive de dar um nome àquela cabana em Sơn Hạ . É feia por fora, mas por dentro é muito bonita. Chamei-a de Cabana Pele de Sapo (Toadskin Hut). Isso mesmo! A pele de um sapo, “peau de crapon” em Francês. Quando Dung, o pai do Irmão Pháp Đôn’ veio pela primeira vez à cabana ele disse: “Por fora ela se parece com a pele de um sapo, mas por dentro se parece com jóias amarelas.” Você conhece essa frase? É a primeira linha de uma adivinhação: “Pele de sapo por fora, jóias amarelas por dentro. Mesmo de longe, você consegue sentir minha fragrância. Quem sou eu? ” A resposta é: uma jaca madura. Do lado de fora, a casca de uma jaca é saliente como a pele de um sapo; mas por dentro, a fruta madura é amarela e perfumada, e se assemelha a jóias amarelas. Essa adivinhação pode ser das vizinhanças de Hue [Vietnã], por que tem as três palavras “thơm lừng lựng” (perfumada à distância). Então, se minha cabana em Sơn Hạ é pele de sapo por fora, mas se por dentro ela se parece com jóias e ouro, é graças ao trabalho árduo de Hieu, o irmão de sangue do Irmão Pháp Quan. Ele trabalhou bastante, redecorando esse lugar que costumava ser o lar de um fazendeiro pobre. Já estou começando a gostar do nome “Pele de Sapo” – você não acha que é engraçado?


(vista exterior da Cabana Pele de Sapo, no monastério de Sơn Hạ, Plum Village)


Em uma das antigas lendas [vietnamitas], um rapaz caminhando pelos arrozais vê um sapo e o pula, sem pisar nele. Assim que termina seu pequeno pulo, ouve atrás de si o som de uma mulher jovem pigarreando. Virando-se para olhar, ele se surpreende ao deparar-se com uma linda princesa. Naturalmente, o rapaz e a princesa começam a conversar, e por fim ele a convida para ir até sua casa, para apresentá-la a seus pais. Ele não se esquece de recolher a pele do sapo, levá-la para casa e rasgá-la, de tal forma que a princesa incrivelmente bela não possa entrar novamente na pele rugosa do sapo. Sinto-me tão afortunado quanto esse rapaz. Encontrei muitos sapos rugosos na minha jornada; porém estes sapos, depois de largarem suas peles, tornaram-se príncipes charmosos e princesas irresistivelmente belas. Toda vez que sua bodhichitta se manifesta, você será tão belo quanto um príncipe ou uma princesa. E a imagem da sangha subindo a colina do século é verdadeiramente uma imagem maravilhosa.

Há trilhas de meditação caminhando muito familiares que me aparecem em sonhos. Trilhas no nosso templo-raiz, Từ Hiếu (*), que Thay percorreu quando era ainda um noviço, tornaram-se lendárias e ocasionalmente me aparecem em meus sonhos de encontrar um verdadeiro lar. Minhas crianças em Prajña criaram trilhas semelhantes, e as pedras naquelas trilhas tornaram-se familiares através dos passos em plena consciência de cada príncipe e princesa. “Fragrant Palm Leaves” tinha trilhas assim. “The Hermitage Among the Clouds" também tinha trilhas assim (1). Deer Park [monastério na Califórnia, na tradição de Plum Village] tem trilhas assim; e no presente, em Blue Cliff [monastério próximo a Nova Iorque] minhas crianças espirituais estão dando passos em plena consciência para cultivar suas próprias trilhas. As antigas trilhas de meditação no Green Mountain Dharma Center e no monastério de Maple Forest [ambos nos EUA] não são menos belas. Fizeram uma canção: “Juntos iremos visitar Green Mountain, ascender ao céu imenso, iremos à casa de chá, caminharemos ao redor do lago...” Por certo, a Terra Pura tem trilhas assim, que sempre ficam em nossa lembrança quando partimos. Você se lembra da trilha da meditação caminhando ao longo do riacho e através do bambuzal, no eremitério?

Esta tarde, sentado no Salão de Meditação da Água Calma (Still Water Meditation Hall), convidei o Buda a respirar com meus pulmões. Eu disse: “Estes são meus pulmões, mas são também os seus pulmões. Por favor, respire à vontade. Meus pulmões ainda são sadios, não se preocupe” – e o Buda respira feliz; ambos respiramos felizes, juntos.

O templo de Sơn Hạ está cercado por florestas, principalmente de pinheiros. Há ali também um lago e um riacho. “Sơn Hạ hữu tuyền, trạc chi tắc dũ” é um verso do Kinh Thuy Sám (Discurso da Água que Cura); isso significa “aos pés da montanha há um riacho; tome a água e lave-se, e suas feridas irão curar-se.” O templo de Sơn Hạ fica aos pés de uma grande colina. Há uma ponte cruzando por sobre a corrente de água, e ao fim da ponte há uma pedra com a seguinte inscrição gravada “Sơn Hạ hữu tuyền...”, em Chinês clássico. Esta grande colina é a colina Thê Nhât; no topo dela fica o templo da Nuvem do Dharma (Dharma Cloud), o Upper Hamlet de Plum Village. O Irmão Nguyên Hái é o abade do templo da Nuvem do Dharma, mas porque ele está ensinando no Vietnã, o Irmão Pháp Đôn está atualmente prestando esse serviço em seu lugar. O Irmão Pháp Sơn é o abade do templo de Sơn Hạ . Ele vem da Espanha e tem também a nacionalidade inglesa, e além de Espanhol ele fala Inglês, Alemão e Francês muito bem. Os praticantes laicos costumam gostar muito do ambiente do templo de Sơn Hạ. Neste inverno (**) temos dezoito retirantes laicos, praticando juntamente com os monges.

(vista dos jardins de Sơn Hạ, com a ponte sobre o lago
e a pedra com inscrição, à esquerda na foto)



Certa vez, durante o retiro de inverno do ano passado, eu banquei o “guia de turismo” e trouxe algumas pessoas subindo pela trilha de pinheiros, desde o templo de Sơn Hạ até o da Nuvem do Dharma. Entretanto, estes “turistas” não me eram estranhos. Eles eram o professor Hoàng Khôi – Chân Đạo Hành e sua esposa Chân Tuệ Hương, ambos alunos muito bons do Thầy. No último inverno, os dois vieram de Sidney para participar do Retiro de Inverno em Plum Village, e ficaram em Upper Hamlet. Estes dois amigos laicos são Professores do Dharma muito bons. Eles transcreveram e editaram muitos dos livros do Thay em Vietnamita, tais como “Illusionary and Real Happiness”, “The Liveliness of Meditation Practice”, etc (2).

Depois de tomar chá com eles na minha Cabana Pele de Sapo em Sơn Hạ , eu os conduzi através da trilha dos pinheiros até o Upper Hamlet. Disse a eles: “Imaginem que estão indo para o templo da Nuvem do Dharma pela primeira vez. Estou levando vocês para verem um mestre zen numa cabana, a Cabana do Sentar na Calma, no lado leste da colina Thê Nhát, próximo ao templo da Nuvem do Dharma. Se vocês souberem como dar cada passo colina acima em plena consciência, então vocês terão mais oportunidades de encontrar esse mestre, porque geralmente ele pratica meditação caminhando sozinho pelas colinas, algumas vezes colhendo frutos selvagens, outras vezes coletando ervas medicinais (Sư thê dược khứ). Há ocasiões em que ele passa o dia inteiro na floresta e ninguém sabe onde ele se senta, nem mesmo os noviços que são seus atendentes.

Naquele dia, a chuva tinha acabado de parar. O sol estava brilhando maravilhosamente sobre as folhas recobertas com gotas de chuva, tal como jóias apanhando a luz matinal. Parei de caminhar e estendi minha mão para apanhar uma gota de chuva duma agulha de pinheiro; a água caiu brilhando sobre o meu dedo na forma de uma gota redonda. Eu disse a Chân Đạo Hành para estender sua mão a fim de receber esta jóia, e a coloquei sobre sua palma. Suas mãos haviam estado antes em seus bolsos, de tal modo que haviam permanecido secas e quentes, e quando a jóia foi colocada na palma de sua mão, era ainda uma gota inteira. Apanhei também uma jóia dessas para Chân Tuệ Hương. A Terra e o céu estavam tão maravilhosos. Cada momento é uma jóia preciosa que contém o céu, água, nuvens, terra. Com uma única respiração em plena consciência, tantos milagres se manifestam.

A meditação caminhando é assim. Cada passo é uma realização; cada passo é alegria; cada passo é nutrição e cura. Quando começamos a caminhar colina acima, eu parei e apontei para um canto da colina e disse a eles: “A uma pequena distância daqui vocês irão avistar a Cabana do Sentar na Calma. Talvez o mestre esteja sentado lá.” E quando a Cabana estava visível, parei novamente, apontei naquela direção para que a vissem, e os convidei a respirar e sorrir. Na realidade, ambos já haviam visto a Cabana do Sentar na Calma muitas vezes, e por muitas vezes tinham bebido chá comigo lá; porém desta feita eles estavam usando um novo par de olhos para enxergar e explorar algo novo. Nós três éramos como pessoas saídas de uma lenda, buscando por um mestre zen nas montanhas, não sabendo se as condições seriam favoráveis para o encontrarmos ou não. (Há milhares de pessoas que já estiveram em Upper Hamlet, de tantos países; mas quantas foram recebidas como convidadas pelo eremita na Cabana do Sentar na Calma? Ou quantas foram recebidas como convidadas na Cabana da Escuta Profunda, no nosso templo raiz, Từ Hiếu?)

(Thầy na Cabana do Sentar na Calma, Upper Hamlet, Plum Village)


No ano passado, durante o Retiro de Inverno, o Irmão Pháp Tri foi meu atendente na Cabana do Sentar na Calma, sob a orientação de seu Irmão mais velho Mãn Tuệ. Quando o Irmão Pháp Tri retornou de sua aula de maneiras com plena consciência, ao não me ver ali, preparou-se para ir procurar-me nas colinas. Naquele mesmo momento, eu cheguei com os meus dois turistas. Eu ainda estava bancando o “guia de turismo” e perguntei ao noviço: “O mestre está na cabana?” O noviço pareceu confuso, e não soube o que responder. Continuei: “Ou o mestre ainda não voltou de coletar ervas medicinais na montanha?” Agora o noviço havia entendido. Ele respondeu: “Querido e honrado hóspede, meu professor está para voltar da montanha. Gostaria de convidá-los a todos para entrarem na cabana e tomarem chá enquanto esperamos o mestre”. No templo Vietnã, em Los Angeles, há uma caligrafia que eu ofertei ao Venerável Mãn Giác. É a tradução de um poema escrito por Giã Đảo, da dinastia Đương:

Junto ao pinheiro o noviço disse

“o mestre acabou de sair para coletar ervas medicinais na montanha

mas por causa da neblina espessa não se pode vê-lo.”

Na verdade, o atendente sabia onde seu mestre estava sentado, em qual pico da montanha, mas ele respondeu dessa maneira porque não quis que seu mestre fosse perturbado pelo visitante. Ele não quis ir procurar o mestre, para deixar o mestre sentar-se em paz, sozinho. Ocasionalmente, a neblina envolve a colina Thê Nhât, mas não tanto quanto acontece no monastério de Kim Són, no Norte da Califórnia.


(uma das trilhas de meditação caminhando em Plum Village, no Upper Hamlet)


Minha trilha com pinheiros tornou-se uma lenda também, você percebe? Mas qual foi a trilha que nós passamos a não se tornar lendária também? Como a trilha de meditação caminhando que leva ao riacho, em Prajña [Vietnã]. Nós caminhamos por aquela trilha muitas vezes com tais passos, vocês se lembram, minhas crianças? A trilha que vai à Montanha do Lótus de Mil Pétalas (Thousand Lótus Petal mountain) em Deer Park – quantas vezes nós subimos aquela montanha? Quantas vezes nós nos sentamos naqueles rochedos no alto do pico, olhando para o vale abaixo e Escondido [cidade na Califórnia] coberta pela neblina? A trilha de meditação caminhando que começa no jardim do Salão do Buda (Buddha Hall) em Từ Hiếu e desce até o lago em forma de meia-lua, continua ao redor do lago da Estrela Matinal e através do portal triplo subindo a colina Dương Xuân ou então em direção às stupas dos Patriarcas – aquela trilha tornou-se lendária, e apareceu-me em sonhos durante os quarenta anos em que estive longe do Vietnã. As trilhas de meditação caminhando em Lower Hamlet e New Hamlet também já levam duas décadas de nossas pegadas, e todas as vezes em que vamos para longe, temos saudades delas.

Nós imprimimos nossas pegadas de Buda nas trilhas de meditação caminhando em Estes Park, nas Montanhas Rochosas; nas alamedas do Stonehill College; no campus da Universidade da Califórnia em Santa Barbara; no MacArthur Park em Los Angeles; nas principais avenidas de grandes cidades como Frankfurt, Roma, Amsterdã, Paris, Nova Iorque, Nova Delhi, Hanói, etc. Lembro-me de quando fiz a meditação caminhando junto ao lago Hoàn Kiếm, com uma sangha de monásticos e praticantes laicos de 41 nacionalidades. Demos passos de paz e liberdade junto ao lago, cruzando a ponte Thê Húc, dirigindo-nos ao templo de Ngóc Son. Os habitantes locais surpreenderam-se ao ver um grupo de pessoas caminhando com liberdade, como pessoas “sem ter mais o que fazer” em meio ao tumulto da capital do Vietnã, onde todos parecem estar preocupados e com pressa. Ao verem um tal grupo de pessoas, alguns disseram ter redescoberto as raízes de sua cultura e seu verdadeiro lar. Caminhamos da mesma maneira em Trung Hậu, Đồng Đắc, Sóc Sơn, Bằng A, Văn Miếu, Hoa Lư, Tát Diệm, Diệu Đế, Thuyền Tôn, Linh Mụ, Linh Ứng, Tam Thai Chúc Thánh, Mỹ Sơn, Cam Ranh, Thập Tháp, Nguyên Thiều, Giác Viên, Giác Lâm, Ấn Quang, Hoằng Pháp, and Pháp Vân. Todos os lugares são para nós terra sagrada. Qualquer lugar pode ser nosso verdadeiro lar, quando sabemos como parar e viver em plena atenção.

(Thầy conduz a Sangha pelas avenidas de Hanói, Vietnã, Maio 2008)

O ano de 2008 irá terminar em poucas semanas. Sentado aqui, escrevendo esta carta de fim de ano para minhas crianças espirituais, sinto bastante aconchego, como se estivesse sentado na companhia de todos vocês. O Natal este ano acontecerá em New Hamlet, enquanto que Lower Hamlet irá nos recepcionar para as comemorações do Ano Novo, e o Upper Hamlet vai nos oferecer as comemorações do Ano Novo Lunar Vietnamita, no Ano do Búfalo. Este inverno, durante as cerimônias da Grande Ordenação da Estação do Lótus Novo (New Lotus Season Great Ordination), serão vinte e sete pessoas a receber a transmissão da lâmpada do Dharma, e o Irmão Pháp Hữu será uma delas. O pequenino Huỳnh Thế Nhiệm veio a Plum Village pela primeira vez quando tinha sete anos de idade, e voltou diversas vezes depois desta. Nhiệm ordenou-se com a idade de doze anos, em Fevereiro de 2002. Agora Nhiệm irá receber a lâmpada e tornar-se um Professor do Dharma. Ele é o Irmão Pháp Hữu. Durante este Retiro de Inverno, Pháp Hữu é o mentor de sete praticantes laicos, e eles estão muito felizes de ter um mentor assim tão jovem.

(o Irmão Pháp Hữu segurando o bebê Sunyata)


Meus monges e monjas bebês estão todos crescidos agora! Além do Irmão Pháp Hữu, há o Irmão Pháp Chiếu e as Irmãs Mật Nghiem, Đàn Nghiêm e Mẫn Nghiêm como mentores de nossos amigos laicos. A Irmã Mẫn Nghiêm recebeu a transmissão da lâmpada no ano passado, durante as cerimônias da Grande Ordenação do Refrescar a Terra (Earth Refreshing Great Ordination), tornando-se a mais jovem Professora do Dharma em Plum Village. A Irmã Mẫn Nghiêm encontrou-me pela primeira vez quando ela tinha apenas cinco anos de idade. Ele veio a Plum Village para ordenar-se quando tinha doze anos de idade. O nome dela era Hạ Thoại Mỹ Quyên. Quando ela tinha dezesseis anos leu meu livro “Speaking to Twenty-Year-Olds” e prometeu a si mesma que quando ela fizesse dezoito anos de idade iria escrever um livro para mim, com o título de “Speaking to Eighty-Year-Olds” (3). Quyên de fato escreveu esse livro quando ela fez vinte anos de idade; tinha 300 páginas, e eu ainda o tenho no meu eremitério da Fonte Perfumada (Fragrant Source). Sou o único autorizado a ler o livro, disse-me a Irmã Mẫn Nghiêm.

Pháp Hữu irá tornar-se um jovem Professor do Dharma. Em seus dez anos junto a mim, nunca nos irritamos um com o outro. A conexão entre nós é muito boa. Pháp Hữu tornou-se um dos meus melhores atendentes – muito atencioso, não menos do que Pháp Niệm; e muito organizado. Ele não espera até que eu lhe diga do que preciso. Certa vez eu disse a Pháp Hữu: “No passado, o atendente do Buda era o Venerável Ananda; ele era tão bom quanto você o é agora, como meu atendente.” Nhiệm respondeu humildemente: “Mas eu não tenho a mesma boa memória do Venerável Ananda.” Eu ri e disse: “Você não precisa ter a memória do Venerável Ananda, porque nos já temos um iPod a tiracolo, na nossa sacola.” Mestre e aluno olharam-se e riram.

(parte do grupo de monásticos de Plum Village residentes em Waldbröl,
recriando Avalokita num campo nevado)

De repente, penso em neve. Está nevando agora mesmo em Waldbröl, no EIAB [European Institute of Applied Buddhism, Instituto Europeu de Budismo Aplicado, ligado a Plum Village, com sede na Alemanha]. Semana passada, a Irmã Sông Nghiêm telefonou e disse-me que estava nevando e que a neve já atingira 25 centímetros de altura. A paisagem em Waldbröl está maravilhosa, e ela convidou-me para ir me divertir com eles. Mas eu estou lá agora mesmo, vocês não percebem, minhas crianças? Estou agora mesmo também em Blue Cilff, Deer Park, Maple Village, Lótus Bud, Magnólia Village, Prajña, Từ Hiếu, Hohenau, Source of Compassion e muitos outros lugares! Você deve ser capaz de ver-me ali mesmo onde você está, sentado ou em pé. Será que os mais jovens ainda se lembram da adivinhação do Irmão Pháp Lâm? Eu não estou somente na Índia. Vocês já ouviram o mestre zen Vô Ngôn Thông dizer, “Aqui é a Índia; a Índia é aqui” (Tây Thiên thử độ, thử độ Tây Thiên)?

Lembro-me da rede de balanço que está pendurada nas árvores, atrás do Instituto. Antes de ir para lá, eu havia escrito uma carta para minhas crianças na Alemanha. Perguntei se alguém teria uma rede para emprestar-me. Eu a colocaria no pomar de macieiras para ali sentar-me e brincar com as minhas crianças, celebrando o novo Instituto. Não sei quem repassou a carta, mas quando cheguei ao Instituto meus atendentes informaram-me de que um total de 149 redes haviam sido enviadas. No próximo verão, teremos muitas oportunidades de praticarmos “meditação da rede” por lá.

(Thầy e um grupo de monásticos de Plum Village
diante do Instituto Europeu de Budismo Aplicado,na Alemanha, Novembro 2008)



Escrevendo cartas para minhas crianças, nunca sei quando é o bastante. Vou parar por aqui. Eu os verei novamente na noite do Ano Novo Lunar, durante o sarau de poesias. Desejo a todos muita felicidade e progresso na construção de nossa irmandade.

Thầy



Notas do blog:

Tradução de Chân Mật Đăng – Verdadeira Luz Esotérica/ paraserzen

[...] algumas breves explicações foram incluídas nesta tradução para facilitar o entendimento do texto, e aparecem entre colchetes; as fotos que ilustram o texto foram colhidas nos sites de Plum Village, álbuns disponíveis na internet ou enviadas por amigos;

(1) “Fragrant Palm Leaves” e “The Hermitage Among the Clouds" são livros da autoria de Thich Nhat Hanh, ainda não disponíveis em Português;

(2) livros de Thich Nhat Hanh ainda não disponíveis em Português;

(3) "Falando a pessoas de 21 anos de idade" e "Falando a octogenários"

(*) Từ Hiếu, em Hue, Vietnã, é considerado o templo-raiz (root temple), pois é onde Thay foi noviço. Se desejar ouvir um tour guiado do templo oferecido pelo Thay, falando ao fundo em Vietnamita e sendo traduzido simultaneamente para o Inglês pela Irmã Dang Nghiem, por favor acesse o podcast:
http://www.deerpark.libsyn.com/index.php?post_id=199959

(**) No retiro de inverno de 2008/09, Thich Nhat Hanh deu a maioria dos Dharma Talks em Vietnamita, com tradução para o Inglês e o Francês; disponíveis em:
http://langmai.info/new/index.php?option=com_content&view=article&id=835:quanniem&catid=113:phap-thoi&Itemid=464

- para saber mais sobre Thich Nhat Hanh, Plum Village e outros monastérios dessa tradição, por favor acesse o site oficial em:
http://www.plumvillage.org/

- para saber mais sobre o recém-criado EIAB - European Institute of Applied Buddhism (Instituto Europeu de Budismo Aplicado), ligado a Plum Village, com sede na Alemanha, por favor acesse:
http://www.eiab-maincampus.org/EIAB_Germany/Home.html


- para ler a carta do Thầy no original em Inglês por favor dirija-se a:
http://lotusinthemud.typepad.com/sujatin/2009/01/thich-nhat-hanhs-inspirational-christmas-letter.html

Sunday, March 1, 2009

Caçadores de imagens

bosques ao redor de Plum Village, França, no final do outono



Caro Thây, cara comunidade, caros amigos,

Irmão Phap An tem uma idéia, uma visão, a qual tem compartilhado com inúmeros praticantes, vindos de distintos paises e meios culturais e sociais, e que estão passando o Retiro de Inverno no templo de Son Ha, Plum Village, França. Hoje gostaríamos de compartilhar esta visão com Thây, com a comunidade, com membros da Ordem do Interser e praticantes de Sanghas laicas locais, pedindo que nos ajudem a tentar dar vida e substância a esta idéia.

É sobre caça e caçadores.

Desfrutamos profundamente passear pelas florestas, e estamos cientes de que caçadores e associações de caça participam significativamente na manutenção de trilhas e da acessibilidade à mata, tornando possível caminhar ali.
Estamos cientes de que a motivação dos caçadores é o amor à natureza, a busca do contato com a natureza e com suas próprias raízes.
Em tempos passados, nossos ancestrais tinham de caçar para alimentar-se, e às suas famílias. Atualmente, entretanto, os tempos mudaram e, num país desenvolvido, não mais precisamos caçar para alimentar nossas famílias.
De caçadores coletores, nossos ancestrais tornaram-se fazendeiros e pastores; mantiveram porém e nos transmitiram o desejo pela liberdade e proximidade com a natureza selvagem, que talvez só seja verdadeiramente conhecida por caçadores coletores.
Também estamos cientes de que nossos ancestrais atravessaram muitas guerras, mortandades, massacres, algumas vezes como presas e outras como predadores, e que as sementes da violência e do terror experienciados por eles estão presentes em cada um de nós.
Estamos cientes, ainda, da degradação do meio-ambiente e da violência associada ao uso de armas, no presente.
Neste contexto, como podemos reconciliar, hoje em dia, a nobre aspiração de viver livremente em contato com a natureza, com respeito pela vida e pela natureza em todos os aspectos, incluindo animais, plantas e minerais? Como podemos transmitir a nossos filhos e descendentes a rica herança que nos foi dada por nossos ancestrais, sem ao mesmo tempo transmitir-lhes todo o sofrimento associado à violência, guerras, mortandades, massacres, que nossos ancestrais atravessaram?


o querido Irmão Phap Thûyen contempla o sol levantar-se por sobre
os bosques aos pés do Upper Hamlet, Plum Village


Aqui podemos manifestar nossa visão, nosso projeto:

Propondo, localmente, através das Sanghas laicas locais de Plum Village, em tantos lugares do mundo quanto possíveis, para associações ligadas ao meio-ambiente, à caca, e para associações de fotógrafos amadores, tornarem-se parte de uma campanha que poderia ser chamada:
OS CAÇADORES DE IMAGENS

Esquema desta campanha:
Competição de fotografia de animais vivendo em seu habitat natural.
Serão convidados a participar:
- caçadores, familiarizados com os animais e seu meio-ambiente,
- fotógrafos amadores,
- todos os amantes da natureza.

- Um júri pode selecionar fotos baseadas em critérios artísticos e na representação do meio-ambiente e comportamento dos animais. - Tal júri pode ser composto por membros de grupos para conservação do meio-ambiente, associações de caça e fotógrafos profissionais.
- Os prêmios incluiriam câmeras e outros equipamentos de alta qualidade, doados por patrocinadores, encorajando os participantes a desenvolver seus talentos.
- Um site na internet pode ser criado a fim de compartilhar as fotos e as experiências dos participantes.

Nossos objetivos:
- Promover a proteção à vida e ao meio-ambiente através da arte e da ciência da fotografia;
- Ajudar caçadores e todos os amantes da natureza a reconhecer que compartilham o amor pela natureza e o desejo de conservar e proteger nossa herança comum;
- Facilitar a comunicação construtiva e amistosa e o compartilhar de conhecimento entre pessoas (por exemplo, caçadores poderiam compartilhar com os habitantes urbanos seus conhecimentos sobre a floresta; fotógrafos amadores poderiam compartilhar seu conhecimento e paixão pela fotografia; aqueles que amam a vida poderiam compartilhar seu cuidado e respeito à vida em todas as suas formas);
- Desenvolver a consciência da importância cultural, histórica e ecológica de proteger e transmitir a nossas crianças espaços naturais livres e protegidos de toda violência.

Nota 1: Fotografar animais vivendo livremente na natureza requer grande paciência e concentração, as quais são qualidades de um verdadeiro caçador; também requer humildade e compaixão, que são qualidades de um verdadeiro ser humano.
Nota 2: Não se pode empunhar uma arma e uma câmera ao mesmo tempo. Desejamos encorajar nossos irmãos caçadores a trocar suas armas por uma câmera, e regar suas sementes de compaixão, estimulando-os a reconhecer o valor da vida e a curar as feridas da violência em nossa consciência coletiva.

Voila, apresentamos assim nossa visão, nosso projeto. Este projeto pode ser traduzido e apresentado a Sanghas ligadas a Plum Village em todo o mundo, como um exercício e proposta de colocar em prática aquilo que chamamos de Budismo Engajado. Tal exercício pretende colocar em prática:
- Ética: proteger a vida e o meio-ambiente;
- Olhar em profundidade: enxergar a relação de interser entre homens e natureza, entre caçadores e ativistas ecológicos, e entre todos nós, incluindo nossos ancestrais e descendentes;
- Discernimento: capacitar-nos a encontrar e utilizar meios hábeis de mover-nos de uma visão correta na direção da ação correta, através do discurso correto.


Obrigado por sua resposta e por oferecer-nos sugestões.

Participaram da preparação e várias traduções deste projeto:
Kelsang Jampel (USA), David (Canadá), Ricardo (Itália), Robert (Alemanha), Bart e Yuri (Bélgica e México), Karel, Gerard (Holanda), Gerard (Catalunha), Gregorio (Espanha), Marcelo (Brasil), Phap An (França)





Notas do blog: trata-se aqui de uma carta coletiva escrita durante o Retiro de Inverno 2008/9. Plum Village encontra-se numa região rural francesa, cercada por vinhedos e plantações de girassóis, e muitos bosques. Em alguns destes bosques é permitida a caça, e às vezes, de Plum Village ouvimos os tiros dos caçadores. Ou então, quando vamos fazer meditação caminhando nestes bosques, deparamo-nos com as armadilhas e as torres de observação utilizadas pelos caçadores. Dentro da tradição de Budismo Engajado nasce esta iniciativa de Plum Village, através do monge Pháp An, de oferecer uma alternativa pacífica à caça esportiva, olhando em profundidade todo o contexto de interser que dá origem a essa atividade. Esta carta foi traduzida para diversos idiomas e tem sido compartilhada com Sanghas ao redor do mundo, que depois fornecem feedback a Plum Village. Traduzi e me comprometi com Pháp An a compartilhar a iniciativa dele com a Sangha brasileira. Esta carta insere-se também no tema do Retiro de Inverno, que foi "Os passos do Buda: a contribuição budista para uma ética global". Thây nos convida como Sangha mundial a reescrever os Cinco Treinamentos da Plena Consciência, e passamos todos os três meses do retiro trabalhando nisso, durante cada Compartilhar do Dharma . Uma primeira versão saiu ao fim do Retiro de Inverno, para ser de novo trabalhada durante o Retiro da Primavera, 21 dias em Junho de 2009, e então teremos a estréia dos novos Cinco Treinamentos da Plena Consciência em Julho, durante o Retiro de Verão. Como muito bem dito na carta, trata-se de "encontrar e utilizar meios hábeis de mover-nos de uma visão correta na direção da ação correta, através do discurso correto." Gostaria que essa carta inspirasse nossa Sangha a refletir, a contribuir e a agir.

fotos do topo e do monge Phap An (idealizador desta proposta, última foto) por Leonardo Dobbin, da Sangha Viver Consciente; foto de Phap Thûyen por Aaron -- obrigado a ambos Irmãos pela gentileza!

Chân Mật Đăng – Verdadeira Luz Esotérica/ paraserzen